Nunca o tema dos consumos foi tão polémico, pois a realidade é bem diferente da teoria anunciada. Mas será que o novo ciclo de testes oficiais que vai entrar em vigor este ano reporá a verdade? A polémica em redor das médias de consumo e das emissões mobiliza o interesse dos meios de comunicação social e da opinião pública, especialmente dos que utilizam diariamente o automóvel e verificam que os consumos obtidos não são iguais aos anunciados pelas marcas. Esta não é uma polémica nova, mas a sua visibilidade mediática deve-se ao caso VW nos EUA. Relativamente a esse episódio, espoletado depois de um estudo sobre as emissões de NOx dos motores diesel, importa realçar que os números anunciados deixam muitas dúvidas, isto porque um aumento de 40 vezes mais de emissões de NOx corresponde a um crescimento de 4000 por cento! Estudos replicados noutros países, nomeadamente em Portugal, apontam para uma percentagem substancialmente mais reduzida. Além disso, o aumento do NOx nada tem a ver com os consumos, ao contrário do CO2, que cresce proporcionalmente com os consumos. O controlo destes dois elementos segue por essa circunstância caminhos diametralmente opostos, pois a redução do CO2 implica um aumento de NOx e vice-versa. Daí que se tenha de encontrar um compromisso nem sempre fácil de obter, especialmente nos EUA, onde o limite é cerca de um terço do exigido pelo mercado europeu (0,08 g/Km). E porque é que na Europa o limite não é tão baixo como nos Estados Unidos? Porque na Europa há uma maior preocupação com o CO2 e porque, para reduzir o NOx, é necessário aumentar o consumo de combustível, logo, aumentamos as emissões de CO2 que, como é sabido, é um dos principais responsáveis pelo aquecimento global. Ao contrário do que acontece com o NOx, em que há um limite estipulado pelas normas, o CO2 não é limitado, ou seja, não há nada que diga que as emissões de CO2 de um carro têm de ser abaixo de um certo limite. Porém, a generalidade dos países aplica benefícios fiscais baseados nesse valor, residindo aqui o principal problema dos diferentes fabricantes, porque se, por um lado, é necessário reduzir o NOx, por outro lado é necessário ter um baixo CO2 para reduzir o preço final e atrair mais clientes. Tudo isto tem um custo desenvolvimento, uma vez que exige soluções tecnológicas inovadoras e testes de avaliação que sirvam de bitola para todos. Uma bitola que está atualmente desajustada, daí os desvios que quase sempre detetamos nos nossos ensaios. TEORIA LONGE DA PRÁTICA Para compreender melhor os desvios que existem entre a teoria e a prática, basta rever os testes que as marcas fazem para chegar aos valores anunciados e verificar o quanto afastado estão da realidade. O ciclo NEDC (Novo Ciclo de Condução Europeu) introduzido em 1992 e que substitui um ciclo ainda mais irreal baseado numa utilização a velocidades estabilizadas, ainda que sirva de bitola para todos os carros está já muito afastado da realidade. Ele resulta de vários ensaios artificiais e serve exclusivamente para comparar diferentes veículos e não para refletir o consumo normal. Por isso o consumo real é sempre diferente da informação oficial das marcas, como aliás se pode verificar em todos os ensaios que realizamos todos os meses, onde chega a haver desvios da ordem dos 40 por cento. Isto acontece porque o perfil de condução teórico não corresponde aos perfis de utilizadores reais, bem como a outros parâmetros do ensaio, nomeadamente: aceleração insuficiente, demasiadas fases de paragem, não incorporar velocidades normalmente usadas em auto-estrada e por isso a velocidade média é baixa, os pontos de mudança de velocidade são os mesmos para todos os carros com caixa manual quando sabemos que o escalonamento varia de transmissão para transmissão, e por fim o equipamento opcional não é considerado quando sabemos que este condiciona o rendimento do motor pela influência que tem na relação peso/potência. Na verdade, o NEDC é um ensaio em laboratório que consiste em duas partes: nos primeiros 13 minutos, simula a condução em cidade com muitas paragens curtas enquanto a segunda parte corresponde a uma viagem em estrada a uma velocidade máxima de 120 Km/h. CICLO MAIS REALISTA De modo a alterar os valores de consumo de forma mais realista, foi criado a partir deste ano um novo ciclo de condução WLTP (Worldwide Harmonized Light Duty Vehicles Test Procedure; Teste Mundial Harmonizado de Veículos Ligeiros). Enquanto o teste atual dá valores para ciclo urbano, extra-urbano e misto baseado num perfil teórico de condução, o WLTP recorre a perfis "reais" traçados a partir de dados de um inquérito realizado à escala mundial. Neste caso, o ciclo de condução WLTP divide-se em quatro partes, com velocidades médias diferentes: baixa, média, alta e muito alta. Cada parte engloba uma série de fases de condução, de paragens, de aceleração e de travagem que tentam refletir os quadros de condução do dia-a-dia. Entre as diferenças mais importantes destacamos as velocidades mais elevadas de forma a aumentar a velocidade média e a inclusão do equipamento opcional. Agora, os intervalos de consumo publicados são estabelecidos do seguinte modo: cada versão (motor/transmissão) é testada numa unidade com o nível de equipamento suscetível de tornar o automóvel mais económico e noutra com o nível mais penalizador do consumo, assim o valor mais baixo resulta da medição mais favorável obtida nas quatro fases do ciclo WLTP pelo automóvel com o equipamento mais económico, enquanto o valor mais elevado reflete as medições mais altas efetuadas nas mesmas fases com a versão de equipamento mais intensivo do ponto de vista do consumo. Este ciclo tem merecido a aceitação da indústria automóvel, havendo já algumas marcas, como a Opel, que anunciam os dois tipos de consumo. Foi proposto e desenvolvido pelo Fórum Mundial para a Harmonização da Regulação Automóvel, da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa.Os dados obtidos podem ser comparáveis a nível mundial, ao passo que os números do NEDC são válidos apenas para o espaço europeu. Os consumos NEDC que serão substituídos este ano pelo WLTP, são sempre inferiores. Mesmo assim, é natural que os consumos reais apresentem valores ainda mais elevados. Artigo publicado na Revista Turbo nº 426, de março de 2017. Descubra todos os temas desta edição da sua revista automóvel nas bancas de todo o país.