Em Nagoya, no Japão, visitámos os dois museus da Toyota numa viagem que nos permite compreender melhor as razões da liderança tecnológica daquele que é o segundo maior construtor mundial
Fundada em 1937, a Toyota é uma das marcas japonesas mais "jovens" o que não impede que seja, de longe, a mais relevante.
Enquanto grupo que agrega marcas como a Subaru, a Lexus ou a Hino (só para citar algumas) ocupa o segundo lugar a nível global, com uma produção de 9,7 milhões de unidades, apenas superado pelo Grupo VW (10,4 milhões).
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Apesar da sua relevância à escala planetária, com quase sete dezenas de fábricas, mais de 340 mil trabalhadores e presença em 160 mercado, é no Japão que a Toyota concentra a maior parte dos seus recursos, uma opção que deve ser encarada como um dos mais visíveis sinais de respeito para com os ideais dos fundadores da marca.
As raízes da Toyota remontam a meados do século XVIII quando o carpinteiro Sakichi Toyoda começou a desenvolver teares mecânicos.
Apesar da sua escassa formação Sakichi e a sua empresa prosperaram, desenvolvendo processos inéditos que colocaram os teares japoneses na liderança mundial: eram mais produtivos e custavam dez vezes menos do que os rivais alemães.
Com a indústria têxtil em grande expansão, os teares Toyoda adquirem grande projeção e, em 1929, a empresa é comprada pelos ingleses da Platt Brothers.
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Os primeiros passos
Toyoda decide, pouco depois, viajar pela Europa e Estados Unidos da América onde visita as principais linhas de montagem de automóveis. A semente estava lançada.
Com o dinheiro da venda da fábrica de teares, Sakichi encarrega o seu filho, Kiichiro Toyoda, de dar seguimento aos negócios da família, fundando a Toyota Motor Co – a alteração da designação Toyoda para Toyota tem a ver com o significado da palavra: campo fértil de arroz… o que não seria de todo conveniente para uma marca de automóveis.
Kiichiro tinha herdado do pai a propensão para a inovação, rampa de lançamento para o rápido sucesso da Toyota Motor Co fundada, como dissemos, em 1937, embora já um ano antes tenha sido apresentado o Model AA, claramente inspirado nos automóveis americanos dos anos 30.
A profícua e multifacetada história da Toyota está bem retratada nos dois museus da marca que visitámos em Nagoya, sensivelmente a meio caminho entre Tóquio e Osaka.
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Ambos os museus têm como denominador comum o respeito pela memória dos pioneiros, mas enquanto o Toyota Commemorative Museum of Industry and Technology, praticamente no centro da cidade, aprofunda as ligações às origens da família, dos teares à conceção e produção do primeiro automóvel, em 1936, já o segundo, em Nagakute, a cerca de 30 km de Nagoya, destaca-se por enquadrar a evolução da Toyota na própria história do automóvel, exibindo os modelos como o Patent-Benz (replica daquele que é considerado o primeiro automóvel), o Ford T, o Bugatti T-35, o VW Beetle, o Porsche 356 ou o Mini, entre quase meia centena de modelos de várias épocas que ocupam o piso 1.
Já no piso dois, somos recebidos por um exemplar Model AA que chama a atenção pelo restauro impecável e, principalmente, pelo facto de as portas traseiras abrirem no sentido oposto das traseiras.
A razão para a utilização daquilo que habitualmente se designam como "portas suicidas" prende-se, segundo é explicado, com o facto de com as portas dianteiras e traseiras abertas ficarmos com uma visão do interior que evoca um templo budista.
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Corolla: incontornável
O trajeto através de diferentes galerias faz-se com paragens necessariamente demoradas junto a automóveis icónicos como o Toyopet Crown de 1955, primeiro Toyota a ser exportado para a Europa, em 1963), ou o Corolla KE 10 de 1966, percursor de uma história de liderança com mais de 45 milhões de unidades vendidas até hoje (é o carro mais vendido da história) e que marcou o início da relação entre a Toyota e Salvador Caetano, que a partir de 1968 começou a montar em Ovar este modelo.
A rápida afirmação da Toyota fora do Japão deve-se em muito ao sucesso de modelos como o Crown e o Corolla mas nesse mesmo período tem, também, um papel crucial o Land Cruiser FJ 25 L, de inspiração Jeep, que se destacou, imediatamente, pelas aptidões fora de estrada.
Demonstração inequívoca de outra característica fundamental da Toyota, além da permanente capacidade para inova: a sua visão multifacetada do mercado, a preocupação de oferecer as melhores soluções para diferentes necessidades.
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Desportivos inesquecíveis
Isso mesmo ficaria de novo demonstrado, em 1965 com o lançamento do Sports 800 que deu início à notável tradição da Toyota no desenvolvimento de automóveis desportivos.
Com apenas 3,6 metros de comprimento, o Sports 800 recorria a tecnologias "importadas" da indústria aeroespacial e a materiais leves, o que explica o peso de apenas 580 kg, "segredo" para que, com um pequeno motor de 790 cc e 45 cv, alcançasse os 155 km/h de velocidade máxima.
A incursão por um território até então dominado pelos construtores americanos prosseguiu dois anos depois, em 1967, com a apresentação do 2000 GT, um desportivo que nasce de um projeto quase secreto, coordenado por um grupo de quatro engenheiros de elite da Toyota em colaboração com a Yamana.
Embora celebrizado pela aparição no filme "Só se vive duas vezes" (James Bond) e pelo seu preço (2,38 milhões de yenes, quase o triplo de um Crown) o 2000 GT tinha nos seus detalhes tecnológicos atrativos muito mais relevantes. A começar pela utilização de um motor de seis cilindros em linha, com 2.0 litros de cilindrada e 150 cv.
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Do 2000 GT foram produzidas apenas 337 unidades, o que faz deste modelo um dos mais raros e valorizados. Ao contrário da primeira geração do Celica, lançada em 1970 que depressa se afirmou como um dos automóveis desportivos do Mundo, conquistando a Europa e os EUA e triunfando nalgumas mais duras provas desportivas.
O Celica, que na Europa tinha montado um quatro cilindros com 1.6 litros (dois carburadores) e 113 cv, veio mostrar a capacidade da Toyota para democratizar as tecnologias mais avançadas, algo que está amplamente demonstrado em dois modelos que se destacam em qualquer dos dois museus que visitámos: o Prius, revelado em 1999 e que serviu para demonstrar os méritos da tecnologia híbrida (de que muitos duvidaram mas a que hoje todos recorrem), e o Mirai (2014), o primeiro automóvel de produção a pilha de combustível (hidrogénio).
A visita aos dois museus Toyota, em Nagoya, é, na verdade, uma viagem fantástica através de algumas mas mais marcantes criações da indústria automóvel. Indispensável para quem quiser compreende aquilo que o futuro nos reserva no que à mobilidade diz respeito e, também, um tributo merecido ao génio e à determinação de Sakichi Toyoda, e aos sucessivos dirigentes de uma marca que ainda hoje tem como presidente e CEO um Toyoda.
Provavelmente a razão porque os valores essenciais se mantém intocados.