Porsche 911 RSR 2.1 Turbo 50 anos

Hoje, a sobrealimentação faz parte do ADN da Porsche, mas tudo começou em 1974 com uma proposta para os clientes tradicionais e uma aposta num caminho diferente na competição

Há 50 anos, num planeta em que Richard Nixon se demitiu de presidente dos EUA, Portugal vivia sob as “regras” do Processo Revolucionário em Curso (PREC) e o mundo estava condicionado por uma crise petrolífera, que levou muitos países europeus a limitar a velocidade máxima em auto-estrada (a Alemanha não aderiu).

Como é habitual, a crise abriu caminho a novas soluções no mundo dos automóveis e, se a redução dos motores e a diminuição da cilindrada foi uma via, a sobrealimentação turbo foi a solução para salvaguardar as performances, a par de propostas como a redução do peso dos veículos e um melhor aerodinamismo. Outros tempos...

911 Turbo Type 930

Todas as histórias começam com um “era uma vez” e esta não foge à regra. “Era uma vez” uma marca que apresentou um “concept” que surpreendeu com o seu motor sobrealimentado, cavas das rodas dilatadas e uma imponente asa traseira, no Salão Automóvel de Frankfurt de 1973. Foi como que uma aposta contra-corrente, mas foi reafirmada no ano seguinte.

Em 1974 o protótipo chegou ao Salão de Paris na versão de produção com a denominação 911 type 930, pintado de prata e com motivos escoceses nos estofos. Este modelo, que criou um mercado específico para os clientes da marca, veio mais tarde a ser oferecido a Louise Piëch (irmã de Ferry Porsche) no seu 70º aniversário.

Surgiu assim o chamado “Turbo Look”, como que um estilo identitário na gama Porsche, uma imagem que ao longo de 50 anos afirmou o seu caráter vincado por caraterísticas mais desportivas e elevadas performances, mantendo a capacidade de utilização quotidiana com um nível de equipamento específico, incluindo elementos do habitáculo e apêndices aerodinâmicos no exterior.

A Competição

Para a Porsche a aposta na competição esteve sempre lado a lado com o mercado e, apesar da marca dominar as corridas de GT em 1973 com o RSR, todos queriam mais.

Por um lado, os clientes ouviram rumores sobre o 911 Type 930 com tecnologia turbo, que a marca de Weissach desenvolvia desde a década de 60 e, por outro, os apaixonados “exigiam” mais de um fabricante que, depois de dominar o “Mundial” de Sport Protótipos de 1969 a 1971, passara a figurante quando a entidade federativa internacional baniu os motores de 5.0 litros que animavam os Porsche 917 e os Ferrari 512 S e M, impondo motores atmosféricos de 3.0 litros de cilindrada, que os alemães não tinham para responder ao Campeonato do Mundo de Marcas, que tomou o lugar do Campeonato Internacional de Marcas.

A solução encontrada para 1974 chamou-se 911 Carrera RSR Turbo, um protótipo impressionante, que foi uma antevisão do que viriam a ser os “Silhuetas” (protótipos com o aspeto de automóvel de série).

Estava equipado com um motor de 2142 cc de cilindrada que, devido aos “handicaps” dos regulamentos desportivos, obrigaram a Porsche a competir na “categoria 3.0 litros”, a par dos construtores que disputavam o Campeonato do Mundo de Sport Protótipos – Alfa Romeo 33 TT12, Matra-Simca MS 670C, Gulf Ford GR7, etc.

O design era impressionante para a época. O aspeto “hiper-911” com uma decoração “Martini Racing” ainda é hoje uma das mais apelativas de sempre e é bem evidente o cuidado ao nível aerodinâmico.

O bloco de seis cilindros era (e é) uma obra prima de tecnologia, com um carter em magnésio, válvulas em titânio e uma opção turbo que havia sido desenvolvida para a Can-Am com os Penske Porsche 917, numa altura em que a federação internacional alterou os regulamentos do Campeonato do Mundo de Sport Protótipos, banindo os motores de 5.0 litros dos Porsche 917 e dos Ferrari 512 S e M em favor de blocos de 3.0 litros.

O Campeonato Can-Am nos Estados Unidos e Canadá abriu portas aos mais radicais protótipos alguma vez construídos.

Herança Can-Am

O Can-Am Challenge Cup foi uma competição louca, com um regulamento super-liberal onde quase tudo era autorizado em nome das performances. Era o chamado Grupo 7, que não tinha limite para a cilindrada dos motores, não condicionava a sobrealimentação e pouco limitava a aerodinâmica.

Graças ao interesse/apoio da Penske, a Porsche desenvolveu o “velho” 917 para o regulamento Can-Am, apostando numa versão sobrealimentada do 5 litros que passou para 5.4 litros. O 917 dominou o campeonato em 1972 e 1973.

O trabalho que a Porsche realizou para a Penske com base no 917 deu origem ao 917/10 e 917/30 com cerca de 1000 e 1500 cv, respetivamente, foi uma ajuda preciosa para o desenvolvimento do 911 RSR 2.1 Turbo (3)

Os pilotos referiam a dificuldade de manter em pista um bólide de 1000 cv de potência, que “curvava mal”, tinha um tempo exagerado de resposta do acelerador em aceleração (“turbo lag”), “comia” pneus, derretia travões e era um desassossego. Tudo era mau, mas era o mais rápido, ninguém o acompanhava em reta e garantia vitórias. Era o que interessava.

Mais do que o interesse da Porsche no mercado americano, os clientes pressionaram Weissach a ir mais longe com o 917/10 e a Porsche acompanhou o desenvolvimento do 917/30 de 1500 cv de potência, que poderia – em condições ideais – atingir 400 km/h. Com estes protótipos, o 917/10 venceu o Campeonato em 1972 e o 917/30 ganhou em 1974.

911 RSR 2.1 Turbo

No início da década de 70, o envolvimento da Porsche na Can-Am não foi direto. Aconteceu via Penske, o que nos recorda a ligação atual entre a marca alemã e a equipa americana ao nível do WEC e no Campeonato IMSA. E ainda dizem que a água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte...

O boxer seis cilindros do RSR Turbo tinha 2.1 litros e no Type 930 contava com 3.0 litros

A experiência que a Porsche garantiu com os carros da Can-Am permitiu-lhe avançar com o projeto 911 RSR 2.1 Turbo, que propôs uma inovação determinante: para reduzir o tempo de resposta (“turbo lag”) a Porsche criou uma válvula “bypass” no lado do escape.

Com um único turbo KKK, com um intercooler colocado a meio da imponente asa traseira, recebendo o ar de uma tomada NACA, o motor oferecia 500 cv de potência com o turbo a funcionar a 1.5 bars. O protótipo era capaz de acelerar de 0 a 200 km/h em 8,8 segundos e, para isso, também contribuía o pouco peso da carroçaria (825 kg): tudo foi pensado, desde a repartição de massa que levou a colocar o depósito de combustível sob o banco do lado direito, até à suspensão inspirada no 917.

Sucesso em Le Mans

Em 1974 o Campeonato contou com 10 provas, seis das quais disputadas na Europa, uma nos EUA (Watkins Glen) e outra na África do Sul (Kyalami).

O Alfa Romeo 33 TT12 ganhou a corrida inaugural, disputada no Autódromo de Monza, mas os Matra-Simca dominaram a temporada com nove vitórias. No final da temporada contavam com 51 pontos de vantagem sobre a Gulf Ford e 72 pontos face à Porsche.

A marca de Weissach disputou o campeonato com um 911 RSR 2.1 Turbo, entregue a Gijs van Lennep/Herbert Müller, que subiram ao pódio por três vezes graças a um terceiro lugar (1000 km de Spa) e a duas segundas posições (Watkins Glen e 24 Horas de Le Mans). A equipa foi reforçada com um segundo RSR Turbo entregue a Manfred Schurti/Helmuth Koinigg que alinharam em Zeltweg, Imola e Le Mans sem terem terminado qualquer corrida.

Em 1974, Van Lennep/Müller subiram ao pódio três vezes com os segundos lugares em Le Mans e Watkins Glen e o terceiro posto em Spa. Schurti/ Koinigg, que alinharam em Zeltweg, Imola e Le Mans nunca terminaram

Em Le Mans, Gijs van Lennep/Herbert Müller fizeram a Porsche sonhar com a vitória, numa corrida onde os Matra-Simca impressionaram nos treinos e partiram como favoritos absolutos. Mas não foi fácil confirmar esse favoritismo na corrida.

Um acidente inicial com Jean-Pierre Jarier, após um reabastecimento e o sobreaquecimento do motor no carro de Jean-Pierre Jabouille, obrigaram a longas paragens e o 911 RSR Turbo assumiu o terceiro lugar. Perto da meia noite os alarmes soaram na Matra: Beltoise, que recuperara de 20º para 12º, e Bob Wollek, que ocupava o segundo lugar, abandonaram com problemas de motor.

Domingo, às 10h45m, o Matra de Pescarolo parou nas Hunaudières. O piloto conseguiu chegar às boxes, onde cerca de 45 minutos foram perdidos para resolver problemas na caixa de velocidades. O líder voltou à pista com meros três minutos de vantagem sobre o Porsche 911 RSR Turbo de Gijs van Lennep/Herbert Müller. Estava tudo em aberto, mas o carro alemão também acusava problemas de transmissão e na direção, o que o impediu de ameaçar Gérard Larousse.

Depois do sonho, o 911 RSR Turbo 2.1 terminou no segundo lugar, atrás do Matra-Simca de Pescarolo/Larrousse e à frente do Matra-Simca de Jabouille/Migault.