Mais eficaz e confortável do que nunca, a oitava geração do Porsche 911 Carrera 4 S só tem um grande defeito: cria habituação. Quanto mais se acelera, mais se quer curvar. Há doenças piores.
Cem metros. Esta é a distância mínima a que a silhueta de um Porsche 911 deve ser facilmente reconhecida no meio do trânsito.
A autoria desta regra perde-se nas mais de cinco décadas de história do modelo mais icónico da Porsche, mas os ecos da mesma ajudam a compreender o porquê de a oitava geração do 911 parecer mais do mesmo. Puro engano.
Fazer o mesmo coupé desportivo há 55 anos garantiu à Porsche um capital de experiência único e essencial para, sucessivamente, pegar num desportivo bom e torna-lo num ainda melhor. E quem não gostar da carroçaria que… visite um oftalmologista.
As linhas intemporais da geração 992 do Carrera escondem um profundo trabalho de emagrecimento. A percentagem de alumínio duplicou e passou a prevalecer sobre o aço, o que é uma novidade.
Não é imediatamente percetível mas, com exceção dos para-choques dianteiro e traseiro, todos os painéis da carroçaria são em alumínio.
Desportivo funcional
Deixa de haver largura de vias distinta entre as versões de tração traseira e integral, mantêm-se as vias mais amplas dos modelos 4S, ao mesmo tempo que as jantes passam a ter medidas diferentes entre os dois eixos: 20'' à frente, 21'' atrás.
A geração 992 concilia a vertente desportiva com uma funcionalidade acima da média… para um coupé com motor traseiro. Não vai transportar bicicletas, nem móveis suecos desmontados. Mas pode perfeitamente levar as crianças à escola, arrumar as compras da semana e ser a viatura do dia-a-dia.
Já conduzimos modelos não tão desportivos e com jantes de 18'' que pisavam mais seco que este Porsche 911 Carrera 4 S.
Com ajuste variável ao longo de todo o curso, por oposição ao anterior que só funcionava no limite da compressão ou expansão, o novo sistema de amortecimento ativo PASM pode suavizar a compressão até tornar o Porsche 992 significativamente mais confortável sobre empedrado.
PDK agora com oito velocidades
Em estrada ou autoestrada, no modo de condução normal e com a caixa PDK, agora com oito velocidades, em automático nem parece um desportivo.
A direção direta e o banco desportivo mais baixo (3383 €) comunicam melhor com as rodas que uma berlina "normal", mas o motor boxer de três litros e seis cilindros mal se ouve.
Bem geridos pela transmissão PDK, os 530 Nm transportam o Porsche 911 Carrera 4 S numa almofada de binário, sem solavancos ou passagens de caixa percetíveis.
Como o escape desportivo (2694 €) só se faz ouvir quando o mandam e o isolamento surpreende pela eficácia, ouvem-se as pedrinhas projetadas pelos pneus e pouco mais, o 911 geração 992 é um excelente companheiro de viagem.
A este ritmo, mesmo em autoestrada, os consumos rondam os 10 l/100 km que, perante um depósito de 67 litros, garantem mais de 500 km de autonomia.
O novo Porsche 911 pode deixar-se confundir com um menino de coro, mas os genes Carrera estão lá! Basta ensaiar uma ultrapassagem para ficar colado ao banco pelo poder dos 450 cv associado à eficácia da tração integral permanente.
Como a traseira deve ser a perspetiva do Carrera 992 mais vista pelos outros condutores, a Porsche tornou esta geração mais fácil de identificar ao verticalizar as barras da grelha posterior.
Com o Pacote Sport Chrono, a recuperação dos 80 aos 120km/h demora 2,3 segundos e o arranque até aos 100 km/h 3,4 segundos.
Motor mais perto do centro
Sobrealimentado por dois turbos simétricos e um intercooler de maiores dimensões, o motor avançou 20 cm em direção ao habitáculo. A evolução na continuidade permitiu ao Porsche 911 Carrera 4 S mitigar o efeito martelo que o motor "pendurado" atrás do eixo traseiro provocava nas primeiras gerações.
Entre a distribuição de massas mais eficiente, a tração integral e a incontornável eletrónica, o Carrera 992 tornou-se num desportivo acessível. Não confundir com lento ou desinteressante!
O motor que mal se faz ouvir nas "voltas" é o mesmo que grita a pleno pulmão na zona "sumarenta" do taquímetro. Sobe com gosto das 4000 rpm até perto das 7200 rpm, com uma facilidade de controlo invejável, que permite reagir com precisão cirúrgica ao mais pequeno movimento do pé direito.
Guiado por uma frente muito direta, o volante dá duas voltas e meia de batente a batente, assistida pelo eixo traseiro direcional (2325 €) e pela vectorização de binário (3321 €), o 911 transforma a estrada de montanha mais retorcida numa pista Scalextric.
Por mais tarde que se trave, os travões de cerâmica (9237 €) nunca se queixam, o eixo dianteiro não sai da linha. É a traseira que mexe. Quase nada, quando o alívio do acelerador a faz assentar, ou muito, em resposta ao movimento contrário do pé direito.
Eixo traseiro direcional
Também se pode entrar na curva a travar sem correr o risco de perder o momento e comprometer a saída. A capacidade de tração do Porsche 911 Carrera 4 S parece não conhecer limites.
Só a consulta rápida do velocímetro permite reconhecer a velocidade proibitiva com que o novo 911 voa sobre a mais sinuosa das estradas. E faz tudo parecer tão fácil e tão natural, sem o toque artificial de outros modelos. E não é por falta de eletrónica.
Do eixo traseiro direcional ao amortecimento variável, passando pela nova transmissão PDK, que perdeu ligação mecânica entre o seletor e a caixa, há muita eletrónica que não se pode desligar. E, na verdade, mal se dá por ela.
A face mais visível da tecnologia são os ecrãs. Dominam o habitáculo e estabelecem a base para as linhas horizontais que dão forma ao tablier.
Uma obra de arte de estilo minimalista, pontuado por apontamentos retro, traída apenas pela qualidade de alguns materiais. O choque não é imediato, porque a qualidade do design é irrepreensível. No entanto, basta tocar no plástico para perceber que é demasiado… plástico.
Uma impressão que se repete ao passar a mão pela nova grelha traseira.
Plásticos...
Esquecendo o toque artificial de alguns materiais, o que é difícil num automóvel com um preço base de 160 000 euros, o interior do Carrera 992 é fantástico.
Ao já referido conforto, junta o brilho dos ecrãs de 7'' que ladeiam o taquímetro analógico. Controlam-se a partir do lado direito do volante e apresentam todo o tipo de informação complementar, do computador de bordo à navegação.
Ao centro do tablier, um ecrã de 10,9'' reproduz esta informação e concentra algumas funções que anteriormente eram acessíveis por botões físicos na zona do seletor da caixa, como o que controla a sonoridade do escape. A quantidade de informação disponível é tanta, que a respetiva consulta e interação, especialmente em condução desportiva, pode ser complicada.
Para garantir que acelera sempre em segurança, o novo Porsche 911 Carrera 4 S reforçou o completo leque de sistemas de apoio à condução com um inovador modo de condução sobre piso molhado. Denominado Wet, confia em microfones instalados nas cavas de rodas dianteira para identificar a alteração de ruído de rolamento provocada pela água.
Conduzir em molhado
Quando esta acontece, sugere ao condutor que ative o modo de condução Wet. Este controla o binário do motor, para que o 911 não se atravesse, mesmo que se saia da curva de acelerador a fundo. Como não atua sobre os travões, convém manter o bom senso na abordagem às curvas…
É saudável encontrar automóveis que nos deem tanta luta para encontrar pontos negativos, para além dos habituais: preço e consumos. Se não fosse a qualidade duvidosa de alguns plásticos, este Carrera 992 deixava-nos limitados ao preço. E mesmo este pode ser justificado pela qualidade global do novo Porsche 911.
Foram precisos mais de 40 000 euros de opcionais para deixar este Porsche 911 Carrera 4S no ponto. Mas, a verdade é que não há concorrentes que consigam combinar com tanto brilhantismo o conforto do dia-a-dia com a garra do track-day. E tenham uma carroçaria facilmente identificável a uma distância mínima de 100 metros.
Ensaio publicado na íntegra na Turbo 453