O Mégane RS Trophy aburguesou-se! Um choque para os puristas. Um alívio para o público em geral, que dispõe agora de um desportivo compacto mais funcional, quase confortável, mesmo na versão Trophy de 300 cv
Referência incontestável entre os compactos desportivos, desde 2004 que o Renault Mégane RS brinda os ocupantes com vigorosas sessões de pancada sempre que conduzido sobre qualquer superfície diferente do asfalto imaculado de um autódromo.
Uma relação de amor/ódio intensa, com a qual nos habituámos a conviver, encarando o trato rude do Mégane RS como um traço de personalidade forte em vez de um defeito. Ao ponto de considerar as evoluções da terceira e atual geração, como eventuais sinais de fraqueza.
Como alguém que, ao trocar a tábua onde se senta por uma almofada, desconfia que o conforto lhe possa fazer mal à coluna.
É uma desconfiança que nasce da estranheza de passar a encarar o Renault Mégane RS como uma opção válida para a condução diária. Uma capacidade de adaptação natural em concorrentes como o VW Golf GTI ou o Hyundai I30 N, mas estranha ao Mégane RS.
Muito por causa da imagem, o Honda Civic Type R assume um posicionamento mais radical.
Radical... ou não
Radical. É o mínimo que se espera de um Mégane RS Trophy, com chassis Cup, barras estabilizadoras, molas e amortecedores, respetivamente, 10%, 30% e 25% mais firmes.
E no entanto, o Mégane RS Trophy é tão prático para deixar os miúdos na escola e seguir para o trabalho como qualquer outro Mégane.
Ainda está longe de poder ser considerado confortável, mas está no bom caminho.
Prolongando o limite da compressão em 10%, os batentes hidráulicos dos amortecedores suavizam os impactos. Já não conta as pedras da calçada, nem descola ao cruzar juntas de dilatação, contribuindo igualmente para uma motricidade superior.
Muito equipamento
Mais do que uma mera versão de imagem, facilmente identificável pela lâmina dianteira F1, com a designação Trophy, pelas jantes específicas de 19'' ou pelas maxilas dos travões vermelhas, a versão Trophy justifica os 11 000 € que acrescenta ao Mégane RS com o equipamento.
O chassis Cup e o diferencial Torsen encabeçam uma lista onde pontuam o R.S. Monitor, os discos de travão em bi-material (1,8 kg mais leves por disco), o tubo de escape com válvula para se fazer ouvir e o volante R.S. em couro e Alcantara.
As bacquets Recaro (4200 €) fazem parte da lista de opções onde, mais tarde, serão disponibilizadas jantes de 19'' R.S. Trophy Forgée, ainda mais leves, e um R.S. Monitor Expert, com telemetria completa.
Sem alterações de monta, o motor 1.8 sobrealimentado ganha 20 cv fruto da reprogramação da centralina.
A utilização de rolamentos de cerâmica no turbo garante uma resposta mais rápida às solicitações do acelerador, que beneficiam ainda de uma linha de escape mais direta.
Limitado pelo binário máximo admitido pela caixa manual de seis velocidades, este motor debita 400 Nm, menos 20 Nm que as versões equipadas com a transmissão EDC.
Excetuando o conforto de utilização e os consumos, menos 0,3 l/100 km para a caixa EDC, naquilo que realmente importa, as prestações, não há diferenças: 5,7 segundos no sprint até aos 100 km/h, 24,8 segundos no quilómetro de arranque e 260 km/h de velocidade máxima.
Caixa manual
Não sendo particularmente adeptos da caixa EDC, também não ficámos muito convencidos com o tato da caixa manual. Pode ser perfeito para um Renault Mégane mais atrevido, mas um RS Trophy merece um curso de seletor mais curto e um escalonamento mais próximo. Principalmente quando o motor dá tudo na primeira metade do taquímetro, faltando-lhe vigor acima das 3500 rpm.
Sobe de regime com força suficiente para fugir à classificação de anémico, mas falta-lhe o brilhantismo ou a capacidade de modular o acelerador a meio da curva das gerações anteriores.
Como a caixa, a direção apresenta o peso correto, mas fica um patamar abaixo da linha de comunicação direta que se espera de um RS Trophy. Afinal, não estamos ao volante de um VW Golf GTI.
Controlado pela ação do autoblocante, o eixo dianteiro é bastante previsível… até entrar em conflito com o eixo traseiro direcional. Com níveis de movimento distintos para os modos Normal e Sport ou Race, a ação da traseira cria uma artificialidade desnecessária, muito distante dos tempos de condução pura e dura que fizeram do Mégane RS Trophy a referência incontestável entre os desportivos compactos.
Mais confortável
É o problema de se ter tornado mais confortável. Controla suficientemente bem os movimentos da carroçaria para não deixar escapar rivais como o Hyundai I30 N ou o VW Golf GTI, embora não o faça com igual grau de naturalidade.
Com o limite prolongado pelos batentes hidráulicos, os amortecedores deixam de saltar sobre pisos degradados, garantido maior motricidade e segurança. Mesmo quando o eixo traseiro direcional surpreende o condutor com movimentos inesperados.
Encontrado o ponto certo, é possível levantar o pé e provocar o eixo posterior como se de um tração traseira se tratasse. Não é fácil, até porque o autoblocante não demora a devolver o protagonismo ao eixo dianteiro, mas é altamente recompensador.
Depois de apanhar o balanço e dos pneus aquecerem, o Mégane RS Trophy torna-se mais previsível. A frente vai escorregar no final da travagem, alargando a trajetória, algo que se resolve acelerando.
A este ritmo, que os travões aguentam com estoicidade, a ação do eixo traseiro direcional é menos evidente. Mede-se na velocidade e facilidade como curva de acelerador a fundo e com movimentos mínimos de volante.
Desportivo suave
Partindo do princípio que a maioria dos compradores do Mégane RS opta pelo chassis Cup, comercializado por 1700 € num pack que inclui os travões bi-material, a versão Trophy marca a diferença pelo autoblocante e acréscimo de 20 cv.
Sem a possibilidade de os ter lado a lado na mesma estrada é difícil apontar a vantagem da versão mais potente. Na verdade, não nos lembramos de ter sentido um tato tão artificial na versão sem autoblocante, onde o eixo traseiro direcional parece fazer mais sentido.
Suavizado pela evolução, o Mégane RS Trophy transformou-se num desportivo acessível. O que, por oposição a uma máquina intratável fora dos circuitos e com o conforto comparável ao de uma tábua, só pode ser bom. E é bom!
Se muito do carisma das gerações anteriores não dependesse precisamente desse "mau feitio", seria perfeito.
Assim, o Renault vê esbater-se a vantagem que sempre teve sobre o VW Golf GTI, o Honda Civic Type R ou o Hyundai I30 N. Continua a ser um desportivo eficaz, divertido de conduzir e bem equipado mas, seja por mérito da concorrência ou evolução do caráter, deixou de ser a referência incontestável…
Ensaio publicado na Turbo 452