Aumentam as notícias de marcas de automóveis que se preparam para adaptar as suas linhas de montagem para o fabrico de ventiladores de UCI, em resposta à pandemia do COVID-19. Mas será assim tão simples?
Governantes de vários países apelam para que as marcas de automóveis adaptem as suas linhas de montagem ao fabrico de ventiladores em larga escala. Nos EUA, a GM, a Ford e a Tesla estão na calha, assim como as marcas inglesas no reino de sua majestade. Mas esta seria uma opção complexa e demorada.
O polémico primeiro ministro inglês, Boris Johnson, mandou entregar projetos a mais de 60 engenheiros militares e a construtores de automóveis, incluindo a Rolls Royce, a Airbus, a Jaguar Land Rover e a Unipart, para fabricarem qualquer coisa como 20 mil ventiladores nas suas fábricas. E tudo isto para arrancar dentro de duas semanas.
Ingénuo, no mínimo!
É verdade que, para muitos infetados, um ventilador que os ajude a respirar pode fazer a diferença entre a vida e a morte. Mas desenhar e fabricar um ventilador médico está longe de ser uma tarefa fácil. E os primeiros a criticarem a ideia são (que surpresa…) os fabricantes de… ventiladores.
E na verdade, estamos a falar de máquinas muito sofisticadas, com muito hardware e também imenso software específico. Basta que um dos componentes não funcione na perfeição, para que a máquina se desligue e não volte a funcionar, segundo responsáveis desta indústria.
A Hamilton Medical, por exemplo, fabricava cerca de 220 ventiladores por semana e espera aumentar a cadência de produção para as 400 unidades no mesmo período de tempo. Ainda assim, não será suficiente para suprir as necessidades, nem sequer na própria Inglaterra.
Incompatibilidades
Todos os ventiladores médicos utilizam geradores de pressão, circuitos que se ligam ao paciente, um regulador de fluxo de inspiração e numerosos sensores, filtros, válvulas e outros componentes que demoram o seu tempo a fabricar.
Nick Oliver, especialista em indústria automóvel e professor na universidade de Edimburgo confirma que "a ideia de que um fabricante de automóveis ou qualquer outra indústria não dedicada a equipamento médico pode converter a sua produção e ferramentas para a construção deste tipo de equipamento é, no mínimo, ingénua", acrescentando que "não me recordo de nenhum produto na indústria automóvel que tenha de movimentar ar e oxigénio de forma comparável à que ocorre num ventilador".
O problema das licenças
A quantidade e complexidade dos ventiladores que é necessário construir não são os únicos obstáculos. Existe ainda a questão dos regulamentos e exigentes requisitos do mundo dos equipamentos e instrumentos de medicina.
A professora de bioengenharia e diretora do Instituto de Dispositivos Médicos da universidade de Strathclyde afirma que um dispositivo como este terá de ser obrigatória e rigorosamente testado, para além de carecer de uma licença, a qual está associada ao respetivo fabricante que, em ultima instância, assume a responsabilidade sobre a segurança do equipamento.
Devido a todos estes procedimentos, numa situação normal são necessários cerca de três anos para desenvolver e lançar no mercado um ventilador, o qual tem sempre de ser testado e aprovado pelas autoridades do setor.
Assim sendo, a única forma de uma marca de automóveis poder fabricar ventiladores seria por via da subcontratação por parte de um fabricante certificado, o qual assumiria a responsabilidade sobre o equipamento.
Talvez fazer as peças?
Nesta fase, discute-se se as marcas automóveis poderiam, pelo menos, fabricar os componentes dos ventiladores, ajudando a acelerar a sua cadência de produção. Mesmo neste cenário, haveria obstáculos. Um deles seria a escassez de peças, muitas delas fabricadas na China e em províncias ainda longe da sua capacidade produtiva normal.
Apesar dos obstáculos, a Vauxhall já se ofereceu para ajudar, fabricando peças em 3D para ventiladores. O problema é que, tal como em todos os setores, a própria indústria automóvel está a afrouxar a atividade e a fechar muitas das suas fábricas devido ao COVID-19.