Impulsionados por uma indústria de números, hoje em dia, verdadeiramente astronómicos, são muitos os grupos automóveis chineses que procuram lançar-se na internacionalização e, em concreto, na Europa. Não raras vezes, "comprando" imagem para, quase sempre com o apoio do Estado chinês, entrarem naqueles que são os mercados mais receptivos, no Velho Continente. Saiba tudo sobre estes grupos e respectivas estratégias.
Num país imenso onde aspirantes a fabricantes automóveis nascem e morrem praticamente todos os dias, o Grupo Geely é talvez um dos mais conhecidos e globais da indústria automóvel chinesa. Em grande parte por ser detentor da Volvo, cujo ADN soube respeitar e preservar, assegurando uma certa independência estratégica e industrial à marca sueca.
A Geely foi lançada em 1997 e é também detentora da Proton, assim como da carismática Lotus, para além da parceria (em partes iguais) com a Mercedes na posse da Smart.
Ao longo do seu percurso evolutivo lançou a Lynk & Co, já presente no mercado europeu, onde tem grande sucesso em Itália e Países Baixos.
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Outra marca recém-nascida no grupo e de dimensão global é a Polestar, associada à tecnologia Volvo, mas também a Zeekr, que ambiciona lançar (na China) um carro totalmente autónomo já em 2024. O seu modelo 001 elétrico puro, uma espécie de shooting brake de luxo, deverá chegar à Europa no próximo ano, com uma bateria de 100 kWh para 712 km de autonomia.
Uma "cereja" transformada
A Chery Automobile é outro dos grandes grupos chineses e talvez o melhor exemplo da forma atribulada e nem sempre moralmente correta como a indústria automóvel chinesa se lançou na era moderna. Foi uma das marcas mais criticadas a nível internacional a partir do ano 2000, devido às óbvias cópias estilísticas de modelos de outras marcas, havendo mesmo quem aponte a própria designação como uma cópia do diminutivo "Chevy", de Chevrolet.
A verdade é que, com ou sem plágios, o grupo Chery segue em frente e mais tarde ou mais cedo entrará no mercado europeu com os seus muitos produtos. Inclui cinco marcas: Exeed, Karry (comerciais), Jetour, Cowin Auto e a Própria Chery.
A Chery começou a produção em 1999 com um produto baseado no Seat Toledo da época, produzido sob licença, o Fengyun, que atingiu as 30 mil unidades vendidas. Isto apesar de a marca não ter naquela fase licença de construção válida, sendo portanto ilegal nos seus primeiros anos.
Atualmente já tem fábricas dentro e fora da China, concretamente no Egipto e Brasil. No ano passado atingiu as 962 mil unidades vendidas.
Entre os privados existe ainda o grupo Great Wall, fundado em 1984 e que é hoje o oitavo maior da China, com 1,281 milhões de vendas em 2021. Das suas marcas GWM, Haval, WEY, TANK, POER e ORA, muitas produzem elétricos puros, grande parte deles na configuração SUV, a mais procurada na Europa.
Estado chinês é grande investidor
O construtor chinês com maior volume de vendas em 2021, a nível doméstico, com 2,3 milhões de unidades, é o grupo Changan Automobile, sediado em Chongping e um dos quatro grandes, detidos pelo Estado chinês (juntamente com a Dongfeng, SAIC Motor e FAW).
Da sua constelação fazem parte seis emblemas, entre os quais a própria Changan, mas também a Oshan e a Kaicene. Neste momento o grupo tem parcerias com a Ford e a Mazda.
Com 762 mil veículos vendidos no ano passado, excluindo os referentes a parcerias, o grupo Dongfeng também é vasto no que toca a marcas incluídas. Não tantas quanto a Geely, mas ainda assim inclui a Venucia, Fengdu, Aeolus, Forthing, a Voyah e, claro, a própria Dongfeng. Isto para além de produzir carros para as japonesas Honda e Nissan, para a coreana Kia e para a europeia Peugeot-Citroën.
Um dos seus segmentos mais fortes a nível global é o dos comerciais ligeiros, mas também produz SUVs (entre os quais o AX7, a rondar os cinco metros e a reivindicar cinco estrelas nos testes de segurança EuroNCAP) e berlinas, como o Joyear S50, um sedan de quatro portas com 4,60 m de comprimento, uma mala com 500 litros e linhas exteriores bastante modernas.
O sucesso da MG
O grupo SAIC Motor é outro conglomerado de grande dimensão e exemplifica a estratégia de "compra" de notoriedade seguida por alguns construtores chineses, adquirindo marcas europeias cheias de história mas vazias de dinheiro.
Pertencente ao Estado chinês, detém atualmente seis marcas sob a sua alçada, sendo, uma delas, a MG (Morris Garages), construtor britânico que adquiriu em 2006.
A combinação de notoriedade europeia e economias de escala chinesas resultaram no sucesso da marca, na China e não só. É um dos emblemas chineses atualmente disponíveis em Portugal, com quatro modelos que não têm rigorosamente nenhuma relação com o conceito de competição e preparação desportiva que está na génese da MG original.
De configuração SUV, são quase todos elétricos puros (HS, Marvel R, MG5) excepto o ZS, de 4,32 m de comprimento e disponível tanto elétrico como a gasolina. A grande novidade é, contudo, o MG4 EV, com uma nova plataforma modular (MSP), o que significa que vêm aí mais modelos com esta base elétrica, este com data de lançamento marcada já para setembro em Inglaterra.
O grupo SAIC Motor inclui também a Roewe, a Maxus e a Feifan, tendo ainda parcerias com a Volkswagen, a General Motors e a Iveco. É, no entanto, a MG, a sua grande montra internacional, através da qual alcançou nada menos que 1,11 milhões de vendas (do grupo) em 2021, das quais 53 100 na Europa.
A porta norueguesa
A FAW, outra construtora estatal, foi fundada em 1953 e vendeu no ano passado 810 mil veículos entre as suas diversas marcas, onde se incluem a Jiefang (camiões), Bestune (carros de segmento médio) e a Hongqi (carros de luxo).
Para esta rápida aprendizagem e atualização tecnológica têm contribuído parcerias estratégicas com a Toyota, Volkswagen e General Motors.
Os mercados europeus mais recetivos a carros elétricos são alvos preferenciais das marcas chinesas. A Noruega tem sido uma porta escancarada. O Grupo FAW soube explorar a oportunidade com o seu SUV elétrico de luxo Hongqi E-HS9, o carro de Estado oficial da China.
Com baterias de 84 a 99 kWh para autonomias de 400 a 465 km, o E-HS9 já está na Noruega e em breve se comercializará pelo resto do Velho Continente.
O seu estilo poderá considerar-se algo ostensivo, mas os chineses aprendem depressa e têm a estratégia bem definida, como comprova a contratação, em 2018, de Giles Taylor, ex-diretor de Design da Rolls Royce.
Muita da inspiração estratégica chinesa vem dos coreanos, que passaram por idêntico processo de "ocidentalização" a seguir aos anos 90 e que agora dão cartas na qualidade e fiabilidade.
A Nio é outra que entrou pela porta norueguesa, projetando daí a sua expansão pela Europa. O seu sedan de luxo ET7 marca pontos entre os elétricos de grande autonomia, anunciando nada menos que mil quilómetros de raio de ação.
A marca comercializa também o SUV elétrico ES8, com uma bateria de 100 kWh que lhe assegura 580 km de autonomia.
Uma das suas mais marcantes propostas é o sistema de troca de baterias em poucos minutos. Uma solução cuja validade está por comprovar mas que, se há marca que a pode tornar rentável é, certamente… uma marca chinesa.
Foi também a Noruega que abriu o caminho europeu à Xpeng, que depois de ter consolidado presença naquele país, já anunciou a expansão para a Suécia e Países Baixos, dois mercados igualmente recetivos a carros elétricos.
Tanto o seu SUV G3 como o sedan P5 são movidos a eletrões, este último recentemente lançado com um motor de 211 cv e uma autonomia de 420 a 540 quilómetros. Sendo que as vendas seguem de vento em popa, com um volume de 99 mil unidades em 2021 e a crescerem acima dos cem por cento nos primeiros meses deste ano.
O sonho (concretizado) da BYD
Embora a americana Tesla se mantenha como líder de vendas no mercado de elétricos de luxo na China com o Model 3, a verdade é que algumas marcas locais começam a fazer sombra ao gigante americano de Elon Musk. A Li Auto é uma delas, com o seu SUV elétrico low cost Li One, cujos volumes de vendas crescem acima dos 350 por cento ao ano (!).
A marca que tem em Leonardo DiCaprio o seu embaixador mais mediático mostra, também por isso, que sabe como se fazem as coisas. E se dúvidas houvesse, bastaria olhar para o significado das iniciais da BYD: Built Your Dreams ("Constrói os Teus Sonhos").
Aquela que é também uma grande fabricante de carros elétricos vendeu no ano passado 740 mil unidades, apresentando no seu portefólio um vasto conjunto de modelos, que vão desde o SUV médio Tang, já à venda em vários mercados europeus, até ao sedan elétrico Han.
A marca já está também presente nos mercados sul-americano e no Médio Oriente.
[Amanhã: A fórmula]