Dois Milhões de euros de... McLaren

  Ainda mais impressionante que o McLaren P1 de série, o P1 GTR nasceu, supostamente, para andar apenas na pista. Mas alguns dos seus felizes proprietários estão a convertê-lo para a estrada. Este é um deles   Exclusivo: Turbo/ EVO [https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_9052.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_9083.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_9146.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_9320.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_9589_cover_2.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_0192.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_0262.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_0363.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_8999.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_9038.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2018/02/DSC_9050.jpg] De repente, aparece um espaço na fila. Apenas o suficiente para manter o acelerador a fundo até esgotar uma terceira. Estamos de regresso a casa, no final do dia. O fotógrafo Gus Gregory verifica no ecrã da sua Canon as fotografias de interiores que acabou de fazer. Ainda não sabia como é o P1 GTR a andar mas acho que chamei a sua atenção… Por volta das 4500 rpm as rodas traseiras reagem, talvez um segundo antes de a eletrónica controlar os ânimos apenas o suficiente para recuperar a tração. Depois a fúria ataca de novo e o Gus, um veterano de Veyrons e coisas do género, fica com falta de ar: "Meu Deus…!". Depois, quando reduzo para quarta e travo: "Este carro nem devia andar na estrada. Não devia mesmo!" E tem razão, claro. Pelo menos até certo ponto. O P1 GTR nunca foi pensado para ser um carro de estrada. Foi desenhado apenas para a utilização em pista. Com um preço a rondar os dois milhões e meio de euros, mais do dobro do preço de um P1 "normal" (1 milhão), tem muito mais carga aerodinâmica (660 kg aos 240 km/h) e mais potência. O V8 biturbo de 3.8 litros desenvolve 800 CV e o elétrico contribui com mais 200 para totalizar uns redondos 1000 CV, que comparam com os 915 CV do P1. O GTR também é mais largo, mais baixo, 50 kg mais leve e mais radical em todos os aspetos. A divisão McLaren Special Operations construiu apenas 45 unidades e, sem surpresa, muitos dos respetivos proprietários gostaram da ideia de ir às compras no seu novo brinquedo. Entrou então em cena a Lanzante, uma empresa cheia de história com a McLaren, incluindo uma vitória em Le Mans em 1995 com um F1 GTR e que agora está bastante entretida a converter GTRs em versões de estrada. Este carro pertence a Andy Bruce, um homem com muito bom gosto para carros e com uma coleção invejável. Este chassis 044 com a conversão 014 ostenta decoração Team Lark, como tributo ao McLaren F1 GTR Team Lark que correu no campeonato All Japan Grand Touring Car de 1996. Isto porque o Andy também tem esse carro, claro. E também preparado para andar na estrada, claro. Quando eu e o Gus chegámos a casa do Andy, o F1 GTR, arrumado ao lado do P1 GTR, ofuscaria qualquer outro carro. Exceto o P1 GTR, que é simplesmente ostensivo, exagerado. Embora tenha uma placa de matrícula, não engana ninguém. Levantando e puxando para a frente a porta do condutor abre-se um habitáculo que parece flutuar numa onda de carbono. O painel é simples mas com elegantes acabamentos em carbono acetinado, conjugados com forros em Alcantara. Nada de frio e despido, como por exemplo num F40, embora haja aqui uma certa economia de arquitetura. Depois há o volante, moldado pelo monolugar de F1 MP4-23, vencedor do campeonato de 2008. De formato quadrado e grosso, é uma peça bonita e central para o ambiente vivido no posto de condução. Curiosamente, é pegajoso ao toque, claramente concebido para ser usado com luvas de pilotagem e a dar uma sensação estranha quando o agarramos com as mãos nuas. Felizmente, a largura das pegas e as aberturas onde entram os dedos parecem bastante naturais, apesar da forma estranha. Há, ao todo, 11 botões e dois comandos rotativos de três posições prontos para usar, mas por enquanto só preciso do botão de ignição. Carrega-se nele duas vezes para acordar o sistema elétrico, depois carrega-se no pedal do travão e carrega-se no botão uma última vez. O motor arranca instantaneamente, com o motor elétrico a fazer o papel de motor de arranque e a provocar este efeito de reação imediata. Em vez do habitual momento de expetativa seguido de uma explosão de cilindros, o P1 GTR entra logo num profundo ralenti que se espalha pelo monocoque em carbono. Poderia entrar logo no E-mode, mas o tempo é curto e há mil razões para ignorar essa opção. Logo a seguir carrego no botão Active para acionar os pequenos botões tipo alavanca, conhecidos do 12C, 650S, 675LT e P1, mas em vez de controlarem o chassis e a unidade de potência, neste caso o da esquerda apenas comanda as programações do controlo de estabilidade (ESC) e o direito a afinação do chassis ativo. Por hoje deixo a suspensão no seu modo menos agressivo (a distância ao solo é fixa, ao contrário do P1) e uso o modo base do ESC, mas com uns primeiros momentos exploratórios no modo mais tolerante. Quanto a desligá-lo por completo, é melhor deixar isso para outro dia ou para uma pista. As pequenas mas grossas patilhas movimentam-se como nos McLaren de estrada. Talvez tenham um curso mais longo do que seria de esperar, mas a utilização tem um "feeling" mecânico muito agradável. A direção não tem grande amplitude mas consigo manobrar o GTR com facilidade para fora do estacionamento e em direção a uma pequena rotunda, graças ao sistema de elevação da frente, que ajuda a enfrentar o complicado ângulo de ataque. A primeira sensação é de um carro muito direto e fabulosamente ilegal, com um som extraordinário, numa mistura de zumbidos e rugidos profundos. Quando a aceleração é constante a pressão do ar aumenta, produzindo um som sibilante que vai crescendo cada vez mais. O Andy diz-me qualquer coisa que não consigo ouvir. Ele repete mais alto: "Não é demasiado ruidoso. Num F1 tens de usar intercomunicadores". Concordo e percebo que o seu conceito de "ruidoso" é um carro que correu em Le Mans. A condução é algo áspera a baixa velocidade e, em certas ocasiões, o GTR vibra e saltita. Não há dúvida de que o P1 normal seria mais confortável e rápido nestas situações. Mesmo assim, trago um sorriso tão rasgado quanto a asa traseira do GTR. O carro é maravilhoso de tão absurdo. Fica-se com a sensação de se estar a fazer algo ilícito e aterrador, ao andar com uma coisa destas em ruas normais. Quando entro em asfalto mais suave o GTR começa a fluir. Mas continua a ser um carro duro, embora as rodas de 19 polegadas à frente e de 20 polegadas atrás se mantenham em constante contacto com a estrada e ele curve de forma surpreendente. Parece dois palmos mais largo que o P1 (de facto, a via dianteira é 80 mm mais larga) e a traseira responde com grande precisão e estabilidade, dando a sensação de que a frente é teleguiada pelo eixo traseiro. E quem já teve a sorte de conduzir um carro com dupla embraiagem, conhece aquele agradável salto do ponteiro do conta-rotações a cada passagem de caixa. O GTR curva com o mesmo tipo de precisão e velocidade. Não se sentem as forças a aumentar, nem os pneus a cederem ligeiramente e depois a agarrarem. Ele simplesmente curva. Dispara para a direita, depois para a esquerda, com a frieza do titânio. Nunca tinha guiado um carro de estrada com este nível de agilidade. A rapidez do GTR é ampliada pela unidade de potência. O motor elétrico de 200 CV pode ser apenas 20 CV mais potente que o do carro normal, mas parece mais talhado para preencher o intervalo de binário. Seja em terceira velocidade às 4500 rpm ou em sexta às 1500 rpm, o GTR responde de imediato e mantém-nos as costas coladas ao banco. O efeito da assistência elétrica é quase surreal, mesmo nos baixos regimes das relações mais altas. E se reduzimos uma ou duas relações e pisamos o acelerador a reação chega a ser dolorosamente brutal. O turbilhão de ruído, a rapidez dos números a evoluírem no painel de instrumentos, as luzes de passagem de caixa a crescerem e a força que parece querer afastar-nos a perna do acelerador são sensações genuinamente chocantes. Se juntarmos a isto o facto de, mesmo com o ESC totalmente ligado, os pneus traseiros descolarem ligeiramente quando os turbos disparam, a sensação resulta em frenesim vertiginoso. Ao pé disto, o P1 normal parece quase um menino do coro. O que acontecerá então quando combinamos esta estonteante performance com a extrema agilidade do chassis? Ocorre uma autêntica trovoada de turbos, com relâmpagos a saltarem dos escapes, que sei que estão lá mesmo sem os ver. Os soberbos travões Akebono dominam a velocidade de forma sublime e, no final de toda esta fúria vulcânica, a conclusão é que o GTR responde com uma precisão clínica. Por vezes temos de combater o efeito dos largos pneus e da dura suspensão, enquanto o carro oscila para um lado e para o outro nas travagens mais fortes. Também convém ter cuidado com a aceleração à saída de curvas de piso mais irregular, mas na maior parte das situações damos connosco entretidos a procurar os pontos de travagem, a apontá-lo para a curva com toda a calma e a abanar a cabeça, incrédulos com a acutilância e imediatismo de resposta deste carro. Ele simplesmente faz o que queremos, no exato momento em que queremos. Parece que estamos nós próprios a dominar a estrada, sem nos apercebermos do que o carro está pelo meio. Como se os braços, mãos e pés estivessem integrados na máquina e o P1 GTR reagisse ao nosso cérebro. O problema quando se tem toda esta potência à nossa disposição é que as estradas foram feitas para carros banais. Têm limites de velocidade e semáforos. Têm curvas que obrigam os fracos a travar. E não há nada mais irritante do que carregar no botão do DRS, ver pelo retrovisor a asa traseira a endireitar-se e depois aparecer-nos à frente um destes carrinhos banais, antes de podermos sentir os benefícios do P1 GTR na sua configuração mais aerodinâmica. Grito em pensamento: "Sai-me da frente!". Mas depois lembro-me de que estou numa estrada pública e, embora tenha temporariamente um certos superpoderes, voltarei a ser um mero mortal no momento em que uma porta de um carro celular se fechar atrás de mim. Sim. A contenção é uma faceta muito importante na condução de um P1 GTR na estrada. Nesta fase é natural que nos questionemos sobre a racionalidade de se ter um carro assim. Não será isto demasiado rápido, demasiado duro, demasiado ruidoso, demasiado rasteiro? É uma questão que faz sentido colocar. Mas durante as deliciosas horas que passei ao volante deste carro, isso não interessou mesmo nada. O P1 GTR é simplesmente deslumbrante, estejamos a 10, a 150 ou a 300 km/h. Exige grande concentração, absorve todas as nossas capacidades cerebrais e não nos dá margem para pensarmos em mais nada. Se fechámos ou não a porta à chave, se chegámos a enviar aquele e-mail importante… Tudo isso se evapora. Estamos apenas a conduzir. Com toda a sua complexidade e enorme potencial, o P1 GTR proporciona a mais pura experiência de condução. É uma droga e eu sou um viciado. Definitivamente, não há melhor forma de escapar à realidade do que ao volante de um P1 GTR com chapas de matrícula.   A conversão Este trabalho de transformação do P1 GTR para utilização em estrada, realizado pela Lanzante, é bastante meticuloso e facilmente adaptável ao gosto do proprietário. Muitas das adaptações são definidas pela legislação: catalisadores nos escapes, um travão-de-mão, alterações nos faróis, jantes e pneus homologados para a estrada. Outras têm um objetivo mais prático, como por exemplo o aumento da distância ao solo e as novas taragens de suspensão. Mas a Lanzante vai para além dos requisitos mínimos e trabalha de forma mais minuciosa. O carro de Andy Bruce recebeu uma dessas transformações mais profundas, a incluir uma demorada intervenção no habitáculo. O proprietário quis manter o ambiente de competição mas não deixou de lhe acrescentar revestimentos em Alcântara e alguns aperfeiçoamentos de detalhe, cujo resultado fica ao nível do esperado num carro deste preço. Neste capítulo, a Lanzante prefere não anunciar o custo da transformação porque cada trabalho é específico, dependendo do local onde cada carro é registado e do gosto de cada cliente.