Surgiu na passada semana a suspeita de que os fabricantes alemães teriam atuado em cartel para que fossem orquestrados os sistemas de tratamento de gases de escape para os diesel. Com os Grupos VW, BMW e Daimler a serem acusados, os fabricantes já refutaram as acusações relativas ao possível conluio para um cartel alemão. A 'bomba' surgiu na passada sexta-feira, 21 de julho, no jornal alemão Der Spiegel. Segundo este famoso meio de comunicação social da Alemanha, desde a década de 90 os fabricantes germânicos dos Grupos VW (Volkswagen, Audi e Porsche), BMW e Daimler (Mercedes) terão formado um cartel para o tabelamento de preços de componentes, que após o ano 2000 se estendeu aos sistemas de tratamento dos gases de escape. Arriscando agora avultadas multas de milhares de milhões de euros (até 10% do volume de negócios a nível global), o cartel alemão teria um esquema perpetrado por 200 funcionários de 60 comités especializados em áreas como desenvolvimento de veículos, motorizações, transmissões e embraiagens e também o tratamento dos gases de escape.
O ' cartel alemão '
A Daimler terá sido a primeira a admitir a orquestração e, segundo o Der Spiegel, a VW também o confirmou numa carta enviada para as autoridades a 4 de julho. O jornal refere que nesta associação secreta o 'cartel alemão' discutia a escolha de fornecedores e o preço de componentes. As primeiras investigações das autoridades alemãs focaram-se no preço pago pelo alumínio, mas mais recentemente o caso tem-se centrado na política seguida para o tratamento dos gases de escape. Tudo teve início em 1995, com a formação do ADA (Centro de Emissões da Indústria Automóvel Alemã), através de um investimento de 5 milhões de euros da Mercedes, BMW, Audi, Porsche e VW e de 3,75 milhões de euros do governo regional de Baden-Wurttemberg. Logo nesta altura foi polémica a exclusão tanto da Opel como da Ford Europe, com localização na Alemanha, algo que as outras marcas explicaram como forma de evitar que o desenvolvimento realizado nestas instalações perto de Weissach fosse passado para os Estados Unidos, mais precisamente a GM e a casa-mãe da Ford.
A partir de 2006 começam a surgir as evidências de um cartel, devido à opção por depósitos de Adblue mais pequenos e que necessitariam de ser abastecidos a cada 6000km. Segundo é indicado, a escolha de tanques mais pequenos foi decidida em conjunto de forma a contornar o desafio de ter grandes compartimentos para o aditivo junto do motor. Segundo o também alemão Handelsbaltt, após a cartelização veio a ocultação por parte da VW, que optou por introduzir um software que, reconhecendo quando o carro estava a ser alvo de testes de emissões, alterava a quantidade de Adblue enviado para o motor de forma a cumprir os limites de emissões estabelecidos. Até ao momento mais nenhum fabricante foi condenado por esta prática, mas o jornal alemão refere que os investigadores estão agora a olhar para este período temporal próximo de 2006 de forma a verificar se existem sinais de mais crimes por manipulação.
Os possíveis efeitos
Apesar de todos os envolvidos terem refutado a acusação, a verdade é que os fabricantes alemães viram a sua cotação em bolsa afetada por esta questão. Além disso, a investigação ao caso já saltou fronteiras e passou para o âmbito europeu. As autoridades da Comissão Europeia com responsabilidades na defesa dos consumidores e contra a concorrência desleal analisam de momento o caso, tal como as suas congéneres alemãs, e confirmaram ter recebido uma 'dica' relativa a este possível cartel alemão. Um responsável indicou que "a Comissão Europeia e o Bundeskartellamt receberam informação sobre a matéria, que será avaliada. É prematura especular além disso neste momento". Este poderá ser mais um caso a acabar em multas avultadas, à imagem do que ocorreu por diversas vezes nos últimos anos na indústria automóvel com os fornecedores de componentes, que foram penalizados pela fixação de preços em áreas como a iluminação ou os equipamentos para arrefecimento dos motores.
Quando se verificam as possíveis penalizações se ficar confirmada a existência de um cartel alemão, este poderá ser efetivamente um caso com multas avultadas. Basta referir que as autoridades europeias podem decidir-se por penalizações até 10% do volume de negócios das empresas envolvidos. E se o Dieselgate da VW custou à empresa 25 mil milhões de euros, basta observar que 1/10 das receitas finais dos 200 mil milhões de euros da VW e dos 150 mil milhões da Daimler em 2016 já superam largamente esse valor. Isto tem contar com os demais envolvidos…
As reações
O caso deu origem a diversas reuniões internas dos acusados de pertencerem ao 'cartel alemão', e a mais enérgica reação contra o caso veio da parte da BMW. Os bávaros "negam categoricamente' a existência de qualquer organização secreta e afirmam que, até por uma questão de princípio da empresa, não entraram em qualquer manipulação relativa aos gases de escape. A BMW refere ainda que utiliza soluções tecnológicas específicas que afirma serem "melhores" por combinarem o ADBlue com a conversão catalítica do NOx. Por isso conclui que cumpre totalmente as normas e que (numa alfinetada aos compatriotas) nunca precisou de fazer recalls ou atualizações de softwares nos seus veículos. [caption id="attachment_27274" align="aligncenter" width="635"]
Martin Winterkorn, anterior CEO da Volkswagen.
As investigações do caso Dieselgate resultaram em mandatos de captura a várias personalidades do Grupo Volkswagen. Além do anterior responsável máximo,
Oliver Schmidt é um dos referenciados no caso, incorrendo numa pena que pode chegar aos 169 anos.[/caption] A BMW recordou ainda o
plano para a a atualização voluntária de softwares que está a levar a cabo nos motores Euro5 (mais antigos), para que eles passem a contar com as mais recentes tecnologias no tratamento de gases de escape. A terminar a declaração colocada no seu site de imprensa refere ainda que esta atualização é um passo no que espera ser um plano mais alargado a implementar pelos fabricantes e municípios com o objetivo de melhorar a qualidade do ar, e que deve ser delineado a 2 de agosto no 'Diesel Summit'. O Grupo VW, cuja imagem já está afetada pelo Dieselgate (embora sem efeitos práticos na performance de mercado, continuando a dominar na Europa), foi mais parca. No entanto, referiu que a cooperação entre fabricantes é uma situação natural e recusa comentar especulações com origem na comunicação social. [caption id="attachment_32014" align="aligncenter" width="635"]
Dieter Zetsche[/caption] Numa declaração recente, o CEO da Daimler, Dieter Zetsche, também referiu que a empresa está bem avisada de que não deve comentar especulações da imprensa. Mas no caso da proprietária da Mercedes poderá existir outra razão para o silêncio, pois tem vindo a ser acusada de ter sido a responsável por divulgar o caso para evitar sofrer penalizações. Esta foi, por exemplo, a prática utilizada em 2016 pela MAN quando informou a Comissão Europeia que os fabricantes de veículos pesados tinham orquestrado os preços de venda até 2011, o que lhe valeu isenção das multas.
Consequências
Outro meio de comunicação social germânico, o Sueddeutsche Zeitung, já avançou com uma réplica do terramoto causado pela divulgação do ' cartel alemão '. É noticiado que a BMW suspendeu as
negociações com a Daimler para alargar a aquisição conjunta de componentes e o desenvolvimento de postos de carregamento de veículos elétricos. Esta aliança para os locais de recarga de viaturas de emissões 0 pretende incluir estes equipamentos ao longo de toda a rede de autoestradas europeias, mas o projeto que inclui também a VW e a Ford Europe deverá agora sofrer atrasos.
O facto da Mercedes ser o 'bufo' do alegado cartel alemão é apontado como o motivo que "danificou totalmente a confiança" que a BMW tinha nos seus compatriotas, refere o Zeitung. Falta agora saber até que ponto esta situação irá alastrar a outras áreas. Além da compra em conjunto de pneus, bancos e para-brisas, cujo maior volume de aquisição de componentes significava poupanças de 200 milhões de euros/ano, e do projeto dos postos de carregamento de veículos elétricos, existem outros pontos de ligação entre os fabricantes de Estugarda e Munique. Um exemplo é o negócio dos mapas digitais da Here, que foi adquirido em 2015 pela BMW, Mercedes e Audi. Falta agora saber se esta alegada 'facada nas costas' por parte da Daimler significa um divórcio total com os seus colegas de Munique.
Fontes: Automotive News Europe, Reuters, Handelsblatt