Um chinês, um coreano, um japonês e um alemão foram dar um passeio… pode ser o início de uma anedota ou o ponto de partida para um trabalho onde o BYD Atto 3 enfrenta concorrentes como o Kia EV6, o Toyota bZ4x e o Mercedes-Benz EQA.
Chegar à Europa vindo do Oriente não é fácil. Que o digam os construtores japoneses e coreanos, que levaram décadas a construir uma imagem de solidez e fiabilidade. Foi preciso ultrapassar os mais de oito mil quilómetros que separavam os automóveis das fábricas das peças de substituição.
Mais do que a distância, as marcas chinesas precisam de vencer o preconceito associado aos produtos com origem no maior mercado do mundo. O mesmo mercado cujos componentes alimentam as linhas de montagem japonesas, coreanas ou europeias…
Fundada em 1995, com sede em Shenzhen e fábricas na Europa em França e na Eslováquia, a BYD (Build Your Dream) é uma marca chinesa apostada em conquistar uma posição de relevo no mercado europeu de veículos elétricos. Para tal conta com o Atto 3.
Um SUV compacto com 4,46 metros de comprimento, bateria de 60,5 kWh e preços desde os 41 990 €. Tem precisamente o comprimento do Mercedes EQA 250+, com bateria de 70,5 kWh e preço condicente com o estatuto (60 750 €).
Mesmo sem as ambições premium do Mercedes GLA, Kia EV6 (56 450 €) e Toyota bZ4x (52 990 €) ultrapassam a marca dos 50 mil euros. Condição que, apesar do trabalho dos construtores chineses para acabarem com os rótulos, faz do BYD Atto 3 uma proposta substancialmente mais barata. Os concorrentes orientais sustentam o preço elevado com mais espaço, são cerca de 15 cm mais longos, e maior capacidade de bateria. O Toyota tem 71,4 kWh e o Kia 77,4 kWh.
Mais de mil palavras
Se uma imagem vale mais de mil palavras, não há muito a dizer sobre a estética do BYD Atto 3. Enquadra-se perfeitamente na paisagem definida pelos concorrentes. O Mercedes EQA a assume a vertente mais conservadora, por oposição às linhas do Toyota, tão originais como o nome bZ4x.
O Kia EV6 partilha o estilo discreto com BYD Atto 3. Procurando é possível encontrar semelhanças com modelos europeus, tarefa que não serve para mais do que encaixar o BYD num estereótipo desnecessário.
[https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/BYD-Atto-3-galeria_001.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/BYD-Atto-3-galeria_002.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/BYD-Atto-3-galeria_003.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/BYD-Atto-3-galeria_004.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/BYD-Atto-3-galeria_005.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/BYD-Atto-3-galeria_006.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/BYD-Atto-3_Kia-EV6_Toyota-bZ4X_Mercedes-EQA_001.jpg]Numa altura em que o diâmetro das jantes dispara como se não tivesse repercussões negativas nos consumos, os dois modelos mais pequenos acertam a medida pelas 18''. O Kia sobe para as 19'' e o Toyota, com 20'', é aquele que tem menos ar entre o pneu e a jante. O bZ4x é também aquele que tem a maior altura ao solo (177 mm), seguido de perto pelo Atto 3 (175 mm). EV6 (160 mm) e EQA (154 mm) são ligeiramente mais baixos.
Todos reconhecem a maior eficiência energética da iluminação LED e, embora BYD, Toyota e Kia tenham sido desenvolvidos sobre arquiteturas elétricas dedicadas, só o EV6 tem um compartimento de arrumação sob o capot. Os 52 litros de capacidade são sinal que se trata da versão com tração traseira. Os demais optam por instalar os motores no eixo dianteiro.
Espaço para todos
Mesmo com um motor por baixo, os 490 l da bagageira do Kia não encontram rival direto. O mais próximo é o Toyota (452 l), seguido pelo BYD (440 l). O Mercedes (340 l) obriga otimizar as bagagens. Todos disponibilizam movimento automático do portão traseiro, plano de carga acessível e compartimento de arrumação sob o piso. Curiosamente, depois de rebatidas as costas dos bancos traseiros, todos ampliam a capacidade de carga para pouco mais de 1300 l.
Considerando apenas a funcionalidade, o piso totalmente plano do Atto 3 e do EV6 melhoram a qualidade de vida a bordo dos ocupantes das respetivas filas traseiras. O relevo central, juntamente com consolas volumosas, interfere com movimento dos pés.
[https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Kia-EV6-galeria_001.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Kia-EV6-galeria_002.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Kia-EV6-galeria_003.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Kia-EV6-galeria_004.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Kia-EV6-galeria_005.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Kia-EV6-galeria_006.jpg]A distância entre eixos mais curta não impede o Atto 3 (2,72 m) e o EQA (2,73 m) de oferecerem um espaço para as pernas tão satisfatório como o do bZ4x (2,85 m) ou EV6 (2,90 m). Se calhar não dá para cruzar a perna como nos modelos maiores, mas está longe de ser apertado.
Para além de espaço para as pernas, os passageiros da fila posterior têm acesso direto à climatização. O EV6 é a exceção a esta regra de conforto. As tomadas USB também são regra, tal como o apoio de braços central. O Atto 3 destaca-se por criar bolsas para telemóveis nas costas dos bancos dianteiros. A posição elevada das duas filas de bancos favorece a visibilidade de todos os passageiros.
Para todos os gostos
Seguindo a inspiração clássica das linhas exteriores, o interior do EQA é 100% Mercedes. O que é interessante para quem considera que que um automóvel, por ser elétrico, não tem de ser algo totalmente novo. Toyota e Kia adotam traços mais vanguardistas, com a ausência de gráficos redondos nos ecrãs dos painéis de instrumentos a sublinhar a rutura com o passado.
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A apresentação é cuidada, com a escolha de materiais e acabamentos a refletir o posicionamento. Equipamento GT-Line (64 050€) para o EV6, Lounge (62 240 €) para o bZ4x e maior capacidade de bateria (250+) que acrescenta 1500 € ao preço do EQA 250.
Curioso interior do Atto 3
Visto como um todo, o interior do BYD Atto 3 corresponde ao que se espera de um automóvel elétrico. Painel de instrumentos pequeno, ecrã central rotativo de 15,6'', poucos botões, equipamento completo… são os pormenores que marcam a diferença.
Como o revestimento claro tablier e portas. É agradável ao toque, mas parece frágil, pouco resistente à exposição solar. As bolsas das portas são outra curiosidade. Têm elásticos posicionados como cordas de guitarra, nos quais é possível tocar os primeiros acordes de Smoke On The Water de Deep Purple, mas não conseguem segurar uma garrafa de água.
Embora os bancos dianteiros sejam confortáveis, a posição de condução é condicionada pelos ajustes limitados do volante. Não é necessariamente má, mas é provável que não seja fácil de ajustar para condutores de todas as estaturas. Já os condutores que travam com o pé esquerdo não vão apreciar o posicionamento dos pedais, muito chegados para a direita.
Ao centro, o ecrã rotativo é uma curiosidade com menus confusos. Faltam atalhos para simplificar a utilização durante a condução. Um bom exemplo desta falta de simplicidade é o seletor dos modos de condução. Tem um comando próprio na consola central para variar a resposta do motor em função dos patamares tradicionais (normal, Sport e Eco). No entanto, para selecionar o modo desportivo da direção e da travagem é preciso aceder aos respetivos menus no ecrã central.
Navegar, navegar
Se o que se espera de um automóvel elétrico é suavidade e progressividade, o BYD Atto 3 não fica atrás dos concorrentes aqui presentes. O motor de 204 cv, associado ao peso mais controlado do grupo, 1825 kg quando os restantes pesam mais de 1950 kg, é garantia da melhor aceleração: 7,3 segundos dos zero aos 100 km/h, a par com o Kia EV6. O problema é que as estradas não são feitas apenas de retas. A suspensão McPherson nos dois eixos não acompanha a eficácia do eixo traseiro multibraços dos rivais. Junte-se a direção mais vaga do conjunto e temos a receita para a falta de confiança.
Independentemente do modo escolhido não há como escapar à sensação de ir a navegar. A suspensão garante o balanço e a ausência total de comunicação com o eixo dianteiro faz o resto. É como flutuar a 175 mm do chão, o que pode ser interessante para as voltas em cidade.
[https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Toyota-bZ4x-galeria_001.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Toyota-bZ4x-galeria_002.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Toyota-bZ4x-galeria_003.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Toyota-bZ4x-galeria_004.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Toyota-bZ4x-galeria_005.jpg,https://www.turbo.pt/wp-content/uploads/2024/02/Toyota-bZ4x-galeria_006.jpg]Sobe passeios e não se atrapalha sobre piso degradado, ainda que lhe falte a suspensão pneumática para o transformar em alcatifa. Em estrada é mais complicado. A suspensão bamboleante dificulta a definição de uma trajetória limpa e acabamos a tentar perceber onde está o Atto 3 e a fazer correções desnecessárias para a velocidade a que tudo se passa.
Em curvas rápidas, como rampas de acesso a viadutos, a suspensão vai cedendo para o lado exterior. Uma mola a acumular tensão que pode libertar a qualquer momento. Sem referências do eixo dianteiro o melhor é levantar o pé. O BYD Atto 3 tem uma gama completa de sistemas de apoio à condução e mereceu cinco estrelas nos testes de colisão do EuroNACP, mas não há necessidade de colocar estas qualidades à prova.
Carregamento rápido
Sem serem exemplos de condução dinâmica, Mercedes EQA, Kia EV6 e Toyota bZ4x pisam com mais confiança. Os movimentos da carroçaria são controlados e a as direções, por comparação, são comunicativas. O peso das baterias, todas alojadas entre os eixos, ajuda a baixar o centro de gravidade. No entanto, acaba por se fazer sentir na facilidade com que todos alargam a trajetória quando a velocidade em curva ultrapassa o ritmo de passeio.
Com bateria de lítio ferro fosfato, os 60,5 kWh do BYD Atto 3 prometem 420 km de autonomia. Pouco menos que os 446 km do Toyota bZ4x (71,4 kWH). Kia EV6 (77,4 kWh) e Mercedes EQA (70,5 kWh úteis) ficam muito perto, com 528 km e 530 km, respetivamente. Com exceção do bZ4x, que consegue a proeza de gastar menos que o anunciado, todos veem a distância percorrida entre carregamentos encolher em cerca de 50 km. Nada surpreendente.
[cycloneslider id="mercedes-benz-eqa-250-galeria_001"]É em viagem, onde o tempo de carga é determinante, que o Atto 3 se vê diminuído perante a concorrência. Não consegue receber mais de 88 kW, muito aquém dos 350 kW do EV6. Mercedes EQA (100 kW) e bZ4x (150 kW) também são mais rápidos. No entanto, como a bateria do BYD é pequena, precisa de apenas 44 minutos para carregar 80% da capacidade. Apenas mais nove minutos que o Mercedes ou 14 minutos que o Toyota. O Kia faz o mesmo exercício em 18 minutos a 240 kW.
Jogar em casa
Por muito confortáveis e rápidos que sejam a carregar a bateria, os automóveis elétricos ainda estão longe de ser uma opção viável para quem pense rumar por terra a Oriente. Em sentido inverso, BYD Atto 3, Kia EV6 e Toyota bZ4x chegam à Europa plenos de argumentos para disputar um dos segmentos mais concorridos. A jogar me casa, o Mercedes EQA é o único a dispensar uma arquitetura elétrica dedicada, partilhando a plataforma MFA2 com o GLA. É também ao modelo com motor de combustão que vai buscar a inspiração do design, ajudando a suavizar a transição energética.
Kia e Toyota há muito que se afirmaram como referências em qualidade e fiabilidade, o que permite às versões do EV6 e bZ4x aqui representadas custar mais do que o Mercedes. Um claro piscar de olho ao segmento premium, com o qual rivalizam em oferta de equipamento de série. Esta disputa entre as marcas estabelecidas deixa a estreante BYD numa posição delicada. Por um lado, tem a vantagem do preço bombástico. Por outro, tem a incerteza caraterística dos novos produtos.
Será que daqui a cinco anos ainda funciona tudo como hoje? Só o tempo o dirá. Uma dúvida difícil de ignorar, especialmente quando a origem está associada a produtos com padrões de qualidade distintos do europeu.
Resultados positivos nos testes EuroNCAP garantem que o BYD Atto 3 cumpre os requisitos europeus de segurança. A oferta de equipamento é completa, a apresentação competente, mas falta-lhe o essencial. Falta uma ligação ao automóvel que faça do Atto 3 mais do que um utilitário para as voltas da cidade. Tem tamanho e autonomia para mais, só lhe falta a confiança.