Os valores anunciados e reais relativos aos consumos de combustível e de energia, assim como a autonomia dos veículos elétricos divergem muitas vezes, apesar de terem sido homologados em testes padrão. Conheça os principais motivos, sendo que alguns parecem de pouca importância.
Nos ensaios efetuados aos automóveis pelas publicações especializadas - impressas ou online - o leitor já se terá apercebido que existem diferenças nos valores relativos ao consumo de combustível ou de energia no caso dos elétricos entre o anunciado pela marca e as medições em condições reais de utilização.
As diferenças devem-se a um conjunto de factores que não são inteiramente previsíveis, dependendo de um conjunto factores surpreendentemente variáveis.
Os construtores de automóveis são obrigados a comunicar a autonomia ou o consumo de combustível de acordo com um ciclo padrão. Entre 1992 e setembro de 2017 esteve em vigor o protocolo NEDC (New European Driving Cycle), o qual foi substituído pelo WLTP ou WLTC (a norma WLTP inclui o ciclo RDE em situações de condução reais, para além do ciclo WLTC realizado em laboratório).
O novo ciclo foi introduzido, principalmente, para fazer com que a autonomia reivindicada ou os valores de consumo de combustível reflitam melhor a realidade que os condutores são capazes de alcançar. O WLTP utiliza assim velocidades mais elevadas (até 135 km/h e uma velocidade média global superior), é mais dinâmico e tem mais em conta o peso real do veículo, bem como outros elementos.
Regras do ciclo WLTP
O WLTP (Worldwide Harmonised Light Vehicles Test Procedures) consiste num conjunto de procedimentos de ensaio utilizados para homologar veículos, incluindo um teste WLTC (Worldwide Harmonised Light-duty Vehicle Test Cycle) de laboratório e num teste prático de condução conhecido como RDE.
O teste WLTC tem uma duração 30 minutos, durante os quais o veículo é conduzido sobre rolos durante um total de 23 quilómetros a uma velocidade média de 47 km/h. O ciclo tem quatro fases de intensidade, que vão da mais baixa à mais alta, e em que o veículo excede uma velocidade de 130 km/h, tudo isto a uma temperatura de 14°C.
A necessidade de o veículo estar parado também é levada em conta, pelo que este passa 13% do teste, ou pouco mais de três minutos, em repouso. Além disso, o WLTP tem em conta o equipamento adicional do automóvel, para o qual o construtor deve testar o consumo e a autonomia ou recalculá-los da forma definida. O teste WLTP é realizado com o ar condicionado desligado.
Contudo, o ciclo de testes WLTC não deixa de continuar a ser um exercício laboratorial para assegurar que os valores comunicados são comparáveis. Isto permite aos clientes comparar números de autonomia ou de consumo não só entre modelos do mesmo fabricante de automóveis, mas também entre automóveis de marcas diferentes.
Ao comparar dois modelos será bastante provável que automóvel com uma autonomia WLTP mais elevada tenha, também, na prática, uma autonomia superior. Mas também que os valores anunciados e os reais apresentam desvios.
Quatro motivos
Segundo Jan Bene , especialista em ciclos de ensaio de clientes na Skoda, estas diferenças podem ser agrupadas em quatro categorias: "A primeira é a física do automóvel, ou seja, a aerodinâmica, o peso e a resistência ao rolamento; a segunda são as condições ambientais, ou seja, o clima e a temperatura exterior; o estilo de condução do condutor também é importante e, claro, o perfil da estrada, que muitas vezes pode ser mais exigente na prática do que a pista de ensaio."
O responsável sublinha que "a condução suave e antecipada, sem acelerações rápidas, em tempo quente, sem vento e numa estrada plana com um automóvel sem carga resulta num menor consumo de combustível e numa maior autonomia".
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Os condutores raramente conduzem em tais condições ideais. Se o conseguirem até podem obter uma autonomia superior e um melhor consumo de combustível do que os números "de fábrica" indicam.
A prova está nos inúmeros testes publicados em revistas de automóveis, vários ralis ecológicos e tentativas de bater recordes de condução com o menor consumo de combustível possível. Na prática, porém, há normalmente fatores que significam que o consumo do automóvel aumenta em comparação com o valor declarado e que a autonomia, logicamente, diminui.
Elétricos: temperatura influencia autonomia
Nos veículos elétricos, um dos factores que influencia decisivamente a autonomia é a temperatura exterior, que afeta tanto a eficiência da bateria de tração, mas também a necessidade de aquecer ou arrefecer o interior.
Quer para o arrefecimento, quer para o aquecimento não são considerados no ciclo de ensaio. "Para a própria bateria de tração, a temperatura ideal de trabalho (dentro dos módulos da célula) situa-se entre cerca de 10 e 35°C", afirma David Pekárek do departamento de Sistemas de Energia de Alta Voltagem da Skoda.
"A temperaturas mais elevadas, o arrefecimento da bateria já será ativado por um sistema de ar condicionado de alta voltagem, que consome eletricidade. A temperaturas mais baixas, devido à natureza dos processos químicos nas células de iões de lítio que ocorrem mais lentamente, a capacidade de carga e descarga da bateria é gradualmente reduzida, o que, por sua vez, reduz a eficiência da regeneração, por exemplo", explica o responsável da marca checa.
"A temperaturas abaixo de zero, a bateria precisa de ser novamente aquecida de uma forma ativa (utilizando um sistema de aquecimento de água de alta voltagem)", acrescenta David Pekárek.
Primavera e verão são ideais
Para um automóvel elétrico, as condições ideais são observadas na primavera ou no outono, quando o sol tem apenas energia suficiente para aquecer o interior a uma temperatura confortável, sem necessidade de utilização do aquecimento ou ar condicionado, e a bateria de tração não necessitará de aquecimento ou arrefecimento ativo.
Naturalmente que a bateria também é afetada pelo estilo de condução. Com travagens exigentes e acelerações fortes, a bateria pode aquecer tanto a bateria que terá de ser arrefecida, mesmo com tempo frio. Assim, o próprio condutor pode afetar consideravelmente o consumo, pois para além da aceleração e desaceleração exigentes, as altas velocidades também têm um efeito negativo.