Tração integral ou eixo traseiro direcional. Mercedes-AMG A 35 4Matic e Renault Mégane RS Trophy discutem a tecnologia mais eficaz em curva. A chuva tornou o tira-teimas A 35 vs RS Trophy mais interessante.
Encontrámo-nos no Kartódromo Internacional da Região Oeste (KIRO), num daqueles dias de primavera em que o Sol e a chuva se revezam a cada cinco minutos. Como estávamos no Oeste, não havia alternância. Apenas chuva, para tornar a pista do KIRO mais desafiadora para este A 35 vs RS Trophy.
A borracha acumulada na trajetória dava vida própria às traseiras, obrigando a trabalho de braços redobrado para transformar o pião iminente numa deriva controlada. Dificilmente teríamos conseguido recriar condições tão boas para avaliar a eficácia do novo Mercedes-AMG A 35 4Matic frente ao Renault Mégane RS Trophy.
Tração integral
Afirmar que a tração integral cria um comportamento neutro nos automóveis é um clichê tão gasto como concluir que a tração traseira produz sobreviragem. Mas é verdade…
E a Mercedes tem noção de que este era um dos pontos mais criticados no antigo A 45 AMG. Entrava e saia da curva no mesmo carril, com muita velocidade, muita eficácia e emoção moderada. Um toque ligeiro com o pé esquerdo no travão ajudava a posicionar a frente e soltar a traseira, para uma condução mais acrobática.
Porque nem todos os condutores têm o jogo de pés de Walter Röhrl nos tempos do Audi quattro do Mundial de Ralis, a Mercedes reviu as ligações ao solo para criar uma condução mais envolvente. O subchassis do eixo traseiro está diretamente aparafusado à plataforma, enquanto a suspensão dianteira trocou os casquilhos de borracha por articulações do tipo rótula.
Mais de 300 cv
Com menos interferências externas sobre a direção, o A 35 AMG torna-se mais ágil e comunicativo. Qualidades essenciais para trabalhar com os 306 cv debitados pelo motor de dois litros e quatro cilindros, que também anima o A 250 de 224 cv.
Para além da gestão eletrónica, a diferença entre os dois blocos é feita pelo turbo de dupla entrada do A 35 AMG, que garante uma resposta mais imediata às ordens do acelerador.
Mais rápida a responder às reduções, a caixa de dupla embraiagem AMG Speedshift DCT 7G já justifica as patilhas do volante para o modo manual.
Para combater a neutralidade inerente à tração integral, a Mercedes efetuou uma revisão profunda ao sistema 4Matic.
Este continua a privilegiar o eixo dianteiro, o qual recebe, em condições normais, a totalidade dos 400 Nm de binário disponíveis entre as 3000 rpm e as 4000 rpm. A repartição continua a ser 50:50, mas passa a ser preditiva.
Substituindo a unidade de controlo eletro-hidráulica por uma eletro-mecânica, a embraiagem multidisco que gere a passagem do binário para o eixo traseiro, deixou de responder apenas às perdas de tração do eixo dianteiro. Vantagem essencial neste confronto A 35 vs RS Trophy.
Eixo traseiro direcional
Sem a eficácia da tração integral, o Renault Mégane RS conta com um eixo dianteiro que parece colado ao asfalto. Pode ter perdido a precisão e a capacidade de ajuste no limite das gerações anteriores, em favor do conforto e da condução quotidiana, mas continua a ser um dos mais eficazes do segmento.
Contando com um diferencial Torsen para evitar que o binário se escoe pela roda interior, o Mégane RS fecha as curvas com o acelerador, com o nervosismo típico dos modelos com tração dianteira e autoblocante.
A esta predisposição para curvar, um traço comportamental que vem desde a primeira geração, o novo Renault Mégane RS Trophy junta um eixo traseiro direcional. Não é uma novidade, nem está tão bem integrado com o autoblocante como em outros desportivos, mas faz maravilhas pela estabilidade em curva. Torna o Mégane RS ainda mais previsível e fácil de posicionar.
Um benefício percetível na velocidade e facilidade com que curva de acelerador a fundo, com movimentos mínimos de volante.
Luta renhida
Não consegue igualar o grau de motricidade do A 35 AMG, mas também não o deixa escapar. Com 300 cv debitados pelo motor 1.8 turbo de quatro cilindros, o Renault tem a seu favor o peso, acusa menos 60 kg.
No entanto, o escalonamento longo da caixa associado à relativa falta de fôlego do motor acima das 3500 rpm impede-o de ultrapassar o Mercedes.
Somando a rapidez da caixa automática à eficácia do sistema 4Matic, o A 35 AMG é um segundo mais rápido a acelerar até aos 100 km/h, mostrando-se sempre mais disponível para recuperar velocidade à saída das curvas.
No entanto, apesar do sistema de travagem AMG ter evoluído, perde sensibilidade mais depressa que o da Renault, permitindo ao Mégane RS recuperar terreno nas travagens.
Suspensão ajustável
Assente sobre amortecedores adaptativos, o Mercedes controla os movimentos da carroçaria em função dos modos de condução Comfort, Sport e Sport+. Um luxo que melhora tanto o conforto como a motricidade sobre pisos degradados.
O Renault consegue resultados idênticos com os batentes hidráulicos dos amortecedores. Não permite um nível de controlo tão específico como o A 35 AMG, mas representa um importante salto qualitativo para o conforto.
Na pista bem regada do KIRO, a tração integral do Mercedes é uma vantagem evidente. Até se avaliar a nota artística deste confronto A 35 vs RS Trophy… E nem foi preciso recorrer a jogos de acelerador para começar a andar de lado.
O escorregar de traseira surgia com naturalidade nas três direitas longas da pista do Oeste. Nas esquerdas era preciso inventar. Algo que era mais fácil no Mégane RS graças ao travão de estacionamento mecânico.
Mais interativo
Indiferente à orientação da curva, o Renault mostrou-se sempre mais interativo que o Mercedes. A traseira do A 35 AMG descolava com suavidade, num movimento fácil de controlar com o volante. Já o acelerador não podia ter grande intervenção, sob pena do sistema 4Matic devolver o Mercedes à trajetória.
Sem "problemas" desta ordem, o Renault permitia dar rédea solta ao acelerador, para prolongar a deriva, com a confiança e graciosidade de um tração traseira.
Mais do que lutarem pela primazia entre os compactos desportivos, Renault Mégane RS Trophy e Mercedes-AMG A 35 4Matic complementam-se. Mesmo que, na essência, A 35 vs RS Trophy ofereçam conteúdos tecnológicos semelhantes, a forma como estes se apresentam faz a diferença.
Há modos de condução, ecrãs táteis, painéis de instrumentos digitais, sistemas variados de apoio à condução, integração com smartphones, etc. E há também a forma como estes são apresentados na Renault ou na Mercedes. Um investimento em materiais e montagem que ajuda a explicar a diferença de 13 000 € entre os dois modelos.
É aqui que Renault e Mercedes se complementam. Se o Mégane RS Trophy representa o expoente máximo dos desportivos Renault, o A 35 4Matic representa o patamar de acesso aos Mercedes-AMG.
Uma espécie de processo evolutivo natural, que não nos importávamos nada de experimentar.
Comparativo publicado na íntegra na Turbo 452