50 Anos Volkswagen Golf

O Golf é um ícone. Imaginado em 1969 como sucessor do “Carocha”, começou com propostas convencionais, mas assumiu uma imagem tão inovadora como as soluções tecnológicas que marcaram gerações

Nunca é fácil preconizar o futuro seja qual for a área... Ao longo da história do automóvel, houve sempre “concepts” que tentaram afirmar novas ideias. Algumas foram banais, outras aberrantes ou arrojadas e só algumas - uma minoria - atingiu resultados comerciais capazes de figurar no topo dos rankings do mercado e da rentabilidade comercial. Os “concepts” são apenas isso – ideias – e nem sempre podem ser vistos como a base do projeto final. São, quanto muito, uma forma de sondar a reação do mercado e não faltam exemplos de insucessos, mas também há evidências de êxitos de que o VW Golf é um dos melhores exemplos.

Em 1969, a sobrevivência da marca de Wolfsburg passava por encontrar uma alternativa ao “eterno” “Carocha”. O seu centro de estudos imaginou “concepts”, que hoje têm uma imagem não só datada, como um estilo próximo da então República Democrática Alemã, o que é bizarro.

Tudo começou com o protótipo EA 266, que mantinha o motor traseiro do “Carocha”, o que condicionava a habitabilidade, mas o EA 276 desenvolvido com apoio da Porsche e apresentado em 1969 anunciou novas ideias que os alemães desenvolveram para a sua nova proposta. Face à imagem banal dos “concepts” iniciais, o modelo apresentado em 1974 surpreendeu como uma verdadeira alternativa de futuro para o velho “Carocha”, afirmando-se como um ícone da indústria automóvel, um modelo que foi rotulado como uma revolução tecnológica quando foi apresentado em 1974.

Golf Mk1

Foi uma evolução evidente. O velho e “redondinho” “Carocha” imaginado antes da II Guerra Mundial deu origem a um modelo de linhas rectilíneas e angulosas. Mas não podemos esquecer que as alterações foram muito para lá da imagem: o velho VW era um “tudo atrás” (tração e bloco) com um motor refrigerado por ar face ao Golf, um “tudo à frente” (tração e motor) com um bloco moderno.

Ao longo de meio-século o VW Golf afirmou-se como uma referência marcante para a indústria automóvel. Definiu novos conceitos e padrões, afirmando-se como um ícone

O desenho do “Carocha” que vinha dos tempos de Ferdinand Porsche contrastava com a inovação das soluções de Giorgetto Giugiaro, que aliou a modernidade das linhas da carroçaria com o espaço interior exigido a um familiar, uma bagageira ampla e assentos traseiros rebatíveis, sem esquecer o caracter dinâmico, vincado pelos volumosos pilares traseiros da carroçaria, que contribuíam para a rigidez estrutural, logo, para melhorar a segurança e o comportamento, respondendo às necessidades da família e abrindo caminho para a dinâmica que garante o prazer da condução.

O Golf começou a ser produzido em Wolfsburg em março de 1974 e chegou ao mercado em maio e os seus objetivos eram naturalmente maiores do que os apontados ao Scirocco e ao Passat, que tinham sido apresentados em 1973.

Foi um sucesso e os números do mercado que se globalizou eram inegáveis. Graças ao enorme sucesso na Europa, do Rabbit nos EUA e no Canadá e do Caribe no México, para além da produção na Africa do Sul, o Golf passou a ser um “best-seller”.

Em 1976 a VW já tinha vendido 37 milhões de modelos, um recorde no mercado europeu com apostas apelativas em termos desportivos como o motor 1.6 de 110 cv, que pode ser visto como o antecessor do GTI, um desportivo que marcou uma geração e continua a ser uma referência (ver pág. 76 desta edição).

Volkswagen Golf GTI

Ainda em 1973, paralelamente ao desenvolvimento do Golf, um grupo de engenheiros da VW, liderados por Alfons Löwenberg, apaixonados pela competição e inspirados no VW “Carocha” criado pela Porsche-Austria para a competição, pensaram seguir o mesmo caminho com o novo Golf, desenvolvendo nas suas horas vagas um desportivo “discreto” e eficiente. Utilizaram o Scirocco como base, e depois de alguns testes dinâmicos apresentaram a sua ideia.

“Estão loucos”, disse-lhes Ernst Fiala, o responsável. “É demasiado caro”. Mas, depois de alguns ajustes, em 1975 o departamento de desenvolvimento deu luz verde ao projeto de criar uma opção desportiva do Golf e, em colaboração com a Audi, surgiu um bloco 1.6 de injeção direta e 10 cv de potência.

A alteração passou pela adoção de pneus 175/70 HR 13, barras estabilizadoras nos dois eixos, novos amortecedores e uma taragem específica da suspensão e pequenos detalhes visuais como o spoiler frontal e a grelha dianteira enquadrada a vermelho. Estofos em tartan e uma “bola de golfe” no topo da alavanca da caixa de velocidades criaram um ícone que marcou (e ainda marca) gerações.

Foi apresentado em 1975 no Salão Automóvel de Frankfurt e anunciado como uma série especial de cinco mil unidades, mas no primeiro ano foram vendidas 10 vezes mais unidades e o sucesso foi tal que criou um novo nicho de mercado na Europa – os GTI e uma passagem pelo “Mundial” de ralis onde a primeira geração contou com uma versão de Grupo 4 em 1980 e 1981 com Per Eklund ao volante e a segunda um Grupo A que 1986 esteve em foco com Kenneth Eriksson, vencendo o primeiro Campeonato do Mundo de Grupo A.

A evolução

O sucesso estava garantido. O Golf passou a ser um automóvel cobiçado, mas a passagem do tempo exigia a modernização da proposta e em 1983 surgiu o Golf II.

A par de uma evolução da imagem, que passou pelos pára-choques e grupos óticos, o Golf II adotou a velha máxima que diz que não se mexe numa equipa ganhadora e a segunda geração apresentada em 1983 (nove anos depois da estreia do MK 1) manteve o estilo e o caráter, mas passou a contar com uma carroçaria mais volumosa, com mais distância entre-eixos, o que melhorou a habitabilidade e o conforto de um automóvel virado para a família.

Mas a VW continuava a pensar na competição e o Golf G60, com o motor sobrealimentado com um compressor “G” e tração integral, marcou presença no Campeonato do Mundo de Ralis.

Chegou o TDI

Se a primeira geração do Golf viveu nove anos, a segunda sobreviveu ao longo de oito, o que serve para atestar o sucesso de uma proposta que em 1991 conheceu a sua terceira evolução, onde a maior diferença foi visível nos faróis dianteiros quadrangulares que em 1974 já tinham sido propostos por Giorgetto Guigiaro, mas preteridos pela VW face aos redondos, mais baratos de produzir.

A segurança passou a ser a ordem do dia e foi aí que a VW apostou ao adotar novos airbags frontais e laterais. Ao mesmo tempo, foi diversificada a oferta de motores com uma proposta inovadora, que viria a marcar uma geração –  o bloco 1.9 TDI, o turbodiesel de injeção direta que parte do património histórico da marca, mas também uma dilatação da gama, que passou a contar com a “carrinha” Variant, ao mesmo tempo que a marca afirmar o caráter desportivo com propostas como o VR6 de seis cilindros, algo incomum para o segmento.

A VW ganhou “status” e a quarta geração do Golf (1997) privilegiou a qualidade de construção e requinte, mas também inflacionou os preços. A gama foi dilatada com um três volumes (o Bora), que inovou face às propostas da carrinha e do cabrio. A quarta geração é vista por muitos designers como o apogeu da evolução do conceito inicial e atingiu padrões de qualidade marcantes face aos seus concorrentes. Apesar de não ter uma participação muito ativa no desporto automóvel, propostas como o R32 com o motor VR6 e tração total 4 Motion estavam próximas dos condutores mais dinâmicos.

Modernidade

Em 2003 a VW ainda vivia num período de “vacas gordas” e continuava a tentar insinuar-se no segmento premium e a quinta geração do Golf foi um exemplo desta aposta – mais qualidade nos materiais do habitáculo e na qualidade de construção de modelos que deram um passo em frente ao nível tecnológico com a estreia do eixo traseiro multilink, na melhoria da (já boa) rigidez estrutural (+ 35%) e a estreia da brilhante caixa automática PDK de dupla embraiagem (agora com sete velocidades), que foi desenvolvida durante anos nos Audi quattro do Mundial de Ralis e nos Porsche 956 do Grupo C.

Menos impactantes, mas também inovadores foram os faróis bi-Xénon, numa gama onde a tecnologia TSI de injeção direta a gasolina foi marcante numa gama onde reapareceu o nome Jetta para um três volumes e foi lançado um monovolume.

Em 2008 a sexta geração não trouxe grandes alterações na imagem, mas importantes melhorias técnicas no chassis mais rígido e com menor altura ao solo para sublinhar o caráter dinâmico de um modelo com novas propostas como novidades importantes no campo da segurança ativa e passiva, com destaque para o controlo ativo do chassis (DCC).

Pode parecer aberrante, mas ao fim de tantos anos de vanguardismo foi a primeira vez que o Golf venceu o título de “Carro do Ano” internacional.

Novos Tempos

Em 2012 a VW adotou uma nova plataforma modular MQB com distância entre-eixos “a gosto”, uma tendência seguida pelos compactos médios da época. O caráter manteve-se, o mesmo acontecendo com o estilo.

O Golf continuava a ser um Golf em todas as suas opções, desde o cabrio à Variant, sem esquecer o dinâmico GTI e as versões especiais de elevadas performances. Mas em tempos de mudança, ditados pela necessária redução de emissões, os Golf perderam em média 100 kg de peso e verificou-se um upgrade das motorizações e a adoção de soluções como o “start & stop” e sistemas de recuperação de energia, que começaram a perspetivar os híbridos light que surgiriam mais tarde na gama, inovando com propostas como o GTE – um híbrido “Plug-in”, e uma solução 100% elétrica – o e.Golf.

Nos últimos anos, eletrificação e digitalização passaram a fazer parte do léxico da indústria automóvel e o Golf chegou a ter a morte anunciada. Mas, contra ventos e marés, continua a sobreviver

Em 2019, e mais do que a imagem, a digitalização foi a grande novidade numa gama que procurava espaço no catálogo de uma marca que colocou todas as fichas (e talvez demasiadas) na eletrificação.

O Golf, que ajudou à prosperidade da VW, foi subalternizado por uma estratégia “totalmente elétrica”. Deixou de ser protagonista, sobreviveu a uma morte anunciada e à condenação à eletrificação ao fim de sete gerações.

New Golf

Tudo indicava – e indica – que o Golf tem os dias contados e que esta é a história de uma morte anunciada, mas a VW continua a necessitar dos resultados comerciais que esta gama vai gerando e, ao fim de 45 anos depois do seu lançamento, o novo Golf não foi referido como a oitava geração do modelo, mas apenas como “New Golf”.

A promoção deixou de ser o prazer de condução e passou a ser a segurança com as ajudas à condução, como a travagem autónoma de emergência, assistência na manutenção de faixa de rodagem, ou seja, tudo o que estava na ordem do dia.

O Golf é um sobrevivente do catálogo de uma marca que arriscou nas propostas ecológicas e foi apanhada no processo “dieselgate”, que hipotecou uma transição de paradigmas moderada, num mundo que nada tem a ver com a realidade de há 50 anos. Nessa altura, falava-se de automóveis e prazer de condução. Hoje, os temas são mobilidade, digitalização e pouco mais...

Mesmo assim o Golf sobreviveu graças à modernidade de soluções como os seus motores de injeção direta a gasolina (TSI) e diesel (TDI), a aposta em motores híbridos PHEV e o e-Hibrid com 140 km de autonomia e com memórias do passado como o GTI, sempre ágil e potente com a sua caixa automática DSG de dupla embraiagem, que ficará para a história como um ícone da minha geração.

Volkswagen Golf: Etapas de uma história de sucesso