Ferrari 288 GTO 40 anos

O 288 GTO foi apresentado em 1984. Desenvolvido para ser o herdeiro do mítico 250 GTO na estrada e nas pistas, foi vítima das alterações dos regulamentos da FIA e tornou-se no primeiro supercarro da Ferrari

O 288 GTO foi o principal protagonista do stand da Ferrari no Salão Automóvel de Genebra em 1984. Surpreendeu mais pela proposta mecânica do que pela imagem, evoluída a partir do 308 GTB (1975/1985) com a assinatura Pininfarina. Assumiu o caráter dos “GT” que vinham dos anos 50, visando a eficácia tanto na estrada como na pista. Era a ideia original de Enzo Ferrari, que apostava na produção de automóveis para clientes desportivos e apaixonados, como forma de financiar a atividade desportiva da “Scuderia”.

Mas o projeto inicial do 288 GTO teve por base uma aposta diferente de tudo o que Maranello já havia feito. Não era uma ideia inovadora da “casa”, mas a resposta a um novo regulamento da FIA (Federação Internacional do Automóvel). Até então, todos os modelos de estrada da Ferrari tinham sido desenvolvidos a partir de projetos pensados para a competição, mas o 288 GTO foi pensado como um “upgrade” do 308 GTB para poder ser utilizado em competição, o oposto do que sempre havia acontecido.

A ideia começou a ser trabalhada em 1982, na ótica do regulamento do Grupo B preconizado pela política desportiva da FIA. A Ferrari queria um carro capaz de vencer corridas na sua categoria e ser apelativo para os clientes “normais”, seguindo o exemplo de sucesso dos 250 GT que vinham desde os anos 50.

DO 250 AO GTO

A marca de Maranello dominou o mundo dos “GTs” nos anos 50, 60 e ainda tinha todo o fulgor na década de 70. Todas as histórias começam com um “era uma vez” e foi isso que aconteceu em 1955 no GP de Nassau onde o espanhol Alfonso Cabeza de Vaca, Marquês de Portago, venceu com o 250 (chassis 0415 GT), percursor das berlinas V12 de 3.0 litros da Ferrari. Entre 1954 e 1959 a Ferrari propôs aos seus clientes versões de chassis “curto” e chassis “longo”, que ficaram conhecidos como “Tour de France”, graças aos seus sucessos nessa mítica prova francesa. Os êxitos repetiram-se ao longo de anos de evolução de um modelo a que a Pininfarina esteve quase sempre associada ao design e a Scaglietti à produção.

Na época, era necessário produzir 100 unidades para homologação (ou mostrar capacidade para o fazer) e foi assim que o 250 foi evoluindo ao longo dos anos, graças a uma política que previa a extensão das homologações sobre novas propostas. Em 1956 um novo desenho de Pininfarina chegou a Le Mans, mas a Scaglietti só tinha produzido cinco unidades, porque já estava a preparar o “SWB” com um chassis mais curto, que mais tarde veio a marcar uma grande evolução com a sua carroçaria de aço e alumínio.

ANGOLA FEZ HISTÓRIA

Foi um ganhador, um colecionador de triunfos com pilotos privados. O segundo chassis a ser produzido (1613 GT) foi vendido a 23 de fevereiro de 1960 (carroçaria branca à saída da Scaglietti) a Marques Pinto e seguiu para Angola, onde também competiu com Correia de Oliveira. O carro veio a ser oferecido ao Automóvel Touring Club de Angola (ATCA), posteriormente vendido para a África do Sul, antes de surgir em França no início do século. Nesse mesmo ano, em Portugal continental, Horácio Macedo comprou (13 de julho de 1960) o chassis 2035 GT, que marcou uma época na competição no nosso país. Chegou a ser propriedade de João Lacerda e esteve no Museu do Caramulo. Hoje faz parte da coleção de automóveis de Ralph Lauren.

O PRIMEIRO GTO

O 250 SWB marcou o ritmo da competição GT nos primeiros anos da década de 60 com alterações no chassis, na suspensão e até no motor. Mas acabou por ser a base de um dos mais míticos automóveis do mundo: o 250 GTO. A evolução do modelo de 1962 começou com Giotto Bizzarrini, num tempo de mais uma das guerras internas de Maranello. Bizzarrini (e muitos outros técnicos) saíram e o então muito jovem Mauro Forghieri assumiu a tarefa de criar o ícone.

O nome GTO (diz-se) nasceu de um erro. Depois da homologação do 250 de 1962 e 1963, a Ferrari inscreveu um 250 GT “O” (omologato) numa corrida nos EUA e os americanos associaram a sigla GTO, que acabou por ser assumida em Maranello (não há provas).

Hoje, o 250 GTO é um dos automóveis mais icónicos da história do automóvel quer pela imagem, quer pelo valor. Foram produzidas 36 unidades e, de acordo com os números da RM Sothebys, o chassis 3765 foi vendido em Nova Iorque por 51 705 000 dólares (47,8 milhões de euros).

Competiu em todo o mundo, mesmo em provas “exóticas” como GP de Angola de 1964, onde António Peixinho alinhou ao volante do 250 GTO da Ecurie Francorchamps (chassis 3607 GT) do conde Volpi. Foi um acaso motivado pela doença súbita da francesa Annie Sosibault (1934-2012): António Peixinho aproveitou o convite e terminou no quinto lugar, atrás dos Ferrari 250 LM de Willy Mairese e Lucien Bianchi e dos Porsche 904 GTS de Gerhard Koch e Jo Schlesser, bastante mais competitivos.

O “NOVO” GTO

Em 1984, quando a Ferrari decidiu recuperar a imagem do GTO (que somou vitórias nas duas evoluções até 1964), o sucesso foi imediato. As 200 unidades anunciadas no Salão Automóvel de Genebra (exigidas para a homologação em Grupo B) esgotaram-se rapidamente e a Ferrari acabou por produzir mais 72 destinadas ao “resto do mundo”, a maioria dos quais foi para os EUA.

Em 1986, a FIA baniu os Grupo B, devido aos acidentes no Campeonato do Mundo de Ralis. Foi uma decisão que uns consideram pesada para a Ferrari e outros consideram positiva, pois levou à criação do F40, mas isso é outra história.

O 288 GTO

Ficou o modelo, que hoje é visto como o primeiro dos “Big Five” da Ferrari: 288 GTO, F40, F50, Enzo e LaFerrari. Uma raridade, onde um dos 272 produzidos está avaliado num próximo leilão da RM Auctions em Ontário, Canadá, num valor que pode chegar aos 3,7 milhões de euros.

Face ao 308 GTB, cujo design vem de 1975, tem um aspeto mais volumoso, mas é mais aparência do que outra coisa. É certo que as cavas das rodas são mais volumosas e a distância entre-eixos 11 cm superior, mas é a menor altura ao solo, a largura superior (19 centímetros) e os pneus 225/55 VR16 à frente e 265/50 VR 16 atrás, que fazem a grande diferença na imagem de um modelo onde a altura (1,12 metros) e o comprimento (4,29 metros) estão muito próximos do 308 GTB.

Mas o “toque” do design Pininfarina ajuda a fazer a diferença, ao mesmo tempo que recupera memórias que vêm do tempo do (mítico) 250 GTO de 1962/1963, num modelo que não tem nada a ver com o passado. Mas quem conhece a fisionomia histórica dos Ferrari identifica facilmente as três tomadas de ar laterais, atrás das rodas traseiras, destinadas a expandir o ar quente dos travões ou o discreto spoiler traseiro que os “velhos” 250 GTO acabaram por adotar por necessidade. O capot traseiro conta com saídas de ar para refrigerar o motor. Na frente, o spoiler é mais volumoso, com tomadas de ar para a refrigeração dos travões, a tomada de ar mais alongada e integra nas extremidades dois faróis de nevoeiro de cada lado.

Sempre Scaglietti

A carroçaria foi construída em fibra de vidro, como aconteceu com os primeiros 308 GTB produzidos entre 1973 e 1976. O tejadilho, os painéis laterais e o capot traseiro utilizaram resina e Nomex, e o capot dianteiro Nomex e Kevlar. A produção foi entregue à Carrozzeria Scaglietti, como aconteceu com os antigos 250 GTO, uma longa parceria que acabou por ser absorvida pela Ferrari para a personalização de veículos.

Contrariamente ao que aconteceu desde a criação da Ferrari, quando cada cliente escolhia a cor do seu carro a gosto pessoal ou com as cores do seu país (Portugal era vermelho e branco), todos os 288 GTO foram pintados no vermelho Ferrari, uma uniformização que também aqui marca outra diferença neste modelo, porque nos anos anteriores Enzo Ferrari reservava o vermelho aos carros destinados à competição; mas isso eram outros tempos, quando a Ferrari também propunha o amarelo como a cor da cidade de Modena. Mas se o tempo passou, ainda hoje cerca de 80% dos Ferrari vendidos são vermelhos.

Os habitáculos modernos são primores de design, requinte e qualidade de materiais, algo que contrasta com o que acontecia com o Ferrari 288 GTO, com um aspeto mais espartano, mais ao estilo de Enzo Ferrari. É certo que os bancos eram em Kevlar e estofados em couro negro, mas a instrumentação reduzia-se ao essencial para quem gostava de andar depressa. É certo que o taquímetro e o conta-rotações estavam lá e os termómetros da água e do óleo eram muito importantes e estavam presentes atrás do volante produzido pela Momo.